quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Um susto legal


Eu e Carlos fazíamos Medicina em Minas Gerais. Estudávamos em cidades diferentes, mas todos os anos voltávamos juntos para a nossa terra, no interior de Goiás. Eu era o único com carro e por isso passava na república onde ele morava e lhe dava carona. Num final de ano, acho que o último antes da nossa formatura, eu parei em frente a casa,uma construção do século XVIII, bati na porta, com uma daquelas argolas metálicas, muito comum antes da invenção da campainha, e aguardei alguns minutos. Depois repeti, e nada de ser atendido. Uma senhora, vizinha,dessas que tomam conta de todo o quarteirão, chegou a mim e disse que um carro do IML havia acabado de sair do local. Perguntei se acontecera alguma coisa com o meu colega, ela não soube responder. Peguei o endereço do IML e me dirigi pra lá às pressas. Uma vez no IML, perguntei ao recepcionista se algum corpo dera entrada ali na última hora, ele disse que sim; a seguir perguntei pelo nome, e a resposta fez-me tremer as pernas e gelar todo o corpo. Recompus-me e pedi para ver o cadáver. O recepcionista chamou outro funcionário e fui com este até ao salão das geladeiras. Senti o maior alívio do mundo quando vi que o corpo era de outro Carlos. Voltei para a portaria e perguntei se um estudante de medicina não havia chegado ali no carro do instituto. Ele disse que sim, acompanhava um dos professores da faculdade, que por sinal era o legista de plantão, mas saiu há poucos minutos para deixar o aluno em casa. Voltei correndo para a república e lá encontro o Carlos, malas arrumadas, olhando para o relógio. Dei-lhe o abraço mais gostoso do mundo e uma bronca, pois não me dissera que havia optado por Medicina Legal.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O congresso

A mulher, que participava de um congresso na Inglaterra, ligou pro marido dizendo que sairia de Londres no domingo, dia 19, às nove horas, e chegaria no Rio por volta das 20. Até eu achei estranho. Que milagre seria esse, já que o aeroporto de Heathrow estava fechado por conta da nevasca que caía sobre o Reino Unido desde sábado. “Bom, vai ver que vem num avião militar”, pensou o marido, já coçando o alto da cabeça. Vinte horas, conforme combinado, lá estava ele no Aeroporto Tom Jobim. No horário cravado, a mulher aparece na sala de desembarque. Ele não ouvira nenhum anúncio de voos vindos da Europa. Bom, aguardaria as explicações da mulher em casa, ali não era lugar pra isso. Em casa é que a surpresa foi maior: a mulher estava completamente bronzeada e não era artificial, com certeza. Achou que já estava passando o momento de pedir explicações, mas seria delicado como sempre, nada de ofensas. Perguntou, então, como fora o congresso. Ótimo. Aprendi muito com os ingleses, aquilo que é povo educado, são incapazes de pedir qualquer coisa sem usar antes o famoso “pris”. O marido, que já andava mais que desconfiado, corrigiu: “Não seria please? “Please, ‘pris’, pra mim é tudo a ‘merma’ coisa, disparou a mulher. “Como você se virou lá, com esse inglês vitoriano", ironizou o marido. “Você me conhece, sabe que viro, me reviro e dou reviravoltas muito bem. A propósito, antes que você me faça um montão de perguntas, que eu sei que a sua língua tá coçando, veja o presentinho que eu trouxe pra você, ingrato”. A mulher abriu a bolsa e passou às mãos do marido um pequeno embrulho com cerca de vinte centímetros. O marido abriu a embalagem com cuidado; dentro, um lindo estojo. Quando ele viu o conteúdo deu um grito que mais parecia a comemoração de um gol de final de campeonato. “Uma Montblanc John Lennon. Amor, eu não mereço, deve ter custado uma fortuna. Veja, que lindo esse braço de violão no corpo da caneta. Amei, não acredito no que estou vendo”. O sujeito encheu a mulher de beijos e afagos. Ele estava tão feliz que nem se importou com a embalagem da caneta, informando que fora comprada num shopping da África do Sul. Vai ver o avião fez escala em Johannesburgo, demorou muito o traslado e sobrou tempo até para pegar um bronze. Vocês pensam que voos só atrasam no Brasil?

domingo, 19 de dezembro de 2010

O brinco perdido


Um dos garçons chega à mesa ao lado da minha e discretamente pede ao senhor, acompanhado de uma linda dama, que o acompanhe até à gerência. Mal o homem sai, a mulher fala com alguém pelo celular. Cerca de 15 minutos depois, o homem aparece e senta-se no mesmo local. Esforça-se para parecer natural, mas não consegue. Sinaliza para a mulher que pretende deixar o lugar. O homem chama o garçom, pede a conta, paga, levanta e vão embora. Seleciono a câmera dois e vejo que o casal aguarda o manobrista numa das salas de espera. Coloco os fones nos ouvidos, em busca da melhor sintonia, e consigo captar a conversa. Mas antes, deixe-me apresentar: sou segurança e trabalho neste restaurante, o mais chique da cidade. Pareço um cliente normal, mas da minha mesa, com um iPad, tomo conta de todo o ambiente e da área externa. Mais pareço um executivo que um segurança. Feita a devida apresentação, voltemos:
_ Como você explica isso? Pergunta o homem, abrindo a mão direita e mostrando um brinco.
_ Eu falei pra você que havia perdido um dos brincos, respondeu a mulher.
_ Falou. Mas não que perdera aqui, na semana passada, quando jantou com alguém que, suponho, se parece muito comigo. Sabe o que o gerente falou pra mim, quando saí da sala dele? Que lembrava muito bem de mim, pois eu sento sempre na mesma mesa. Sabe o que mais? Que não tinha certeza sobre você, por isso ele me chamou lá dentro. Você poderia ser a outra. Que ironia: eu sou o outro.
_ Essa jóia pode ser falsa.
_ Falsa? Vou voltar com ela amanhã mesmo na H. Stern.
_Não, não é, infelizmente. É meu mesmo. Confesso tudo. Estive aqui com o seu primo, o Eduardo...
_... imaginei...
_ Eu usava uma peruca, não queria ser vista com ele. Mas ele me garantiu que não havia problema, que o assunto era muito urgente e preferia que fossemos vistos em lugar público. Eu não queria porque todo mundo sabe a fama dele e esse é o seu restaurante preferido.
_ O Eduardo é o maior garanhão. Já levei até porrada por causa dele. E ele só gosta de mulher casada. Não acredito que você aceitou conversar com aquele idiota longe de mim.
_ Calma. O Eduardo não é mais o mesmo. Ele me confessou que agora gosta de homens. Isso, o Eduardo virou gay. Segundo ele, sempre foi gay. A macheza era só uma cobertura, frágil, por sinal.
_ Conta outra, vai. O Eduardo gay, era o que faltava.
_ Ligue pra ele, então, se não acredita em mim. Falou, já chorando.
_ Vocês combinaram tudo. Se eu ligar, ele vai me atender desmunhecando, com voz em falsete.
_ Não, ele não faz esse tipo. Eu vou ligar pra ele, vou pedir pra ele vir aqui e contar tudo pra você.
O casal cancelou o pedido do carro e voltou para o salão do restaurante. Sentaram no mesmo local e pediram uma garrafa de vinho tinto. Cerca de vinte minutos depois, chega o tal Eduardo, acompanhado de um rapaz cerca de dez anos mais novo. Imediatamente pede desculpas ao casal por fazê-los passar por tudo aquilo, a seguir agradece imensamente à esposa do primo por fazê-lo sair do armário.
_ Vocês namoram a quanto tempo, perguntou de chofre o marido, olhando para os recém chegados.
_ Três meses, responderam em uníssono.
_ Treinaram antes de vir pra cá. Eduardo, você pode até fazer sexo com essa cara na minha frente, que eu não confio em você. Olhe, vou embora resolver esse assunto com a minha mulher em casa, aqui não pe lugar pra isso.
_Não vá, te imploro, primo. Veja o nosso vídeo, eu e o Carlos saímos de um motel agora, nós nos amamos de verdade.
_ Vá pra ... se não estivéssemos num restaurante eu ia acertar a sua cara. Eu lá quero ver essa nojeira, seu viado sem vergonha. Esqueça que é meu primo, nunca mais fale comigo. Vamos embora Clara, deixe esses dois aí. E nunca mais entro nesse restaurante. Vocês me causam asco.
O cara saiu furioso. Tinha toda a razão do mundo, mas deveria voltar quinze minutos depois, quando o Eduardo, já meio alto, diz para o amigo:
_ Cara, a mulher do meu primo vale qualquer sacrifício, que mulherão. Falta de sorte foi ela ter perdido a merda daquele brinco, que nem da H Stern é. Você foi demais, fico te devendo essa.
_ E se o cara quisesse ver o tal vídeo? Essa máquina só tem fotos da minha irmã. Você é mesmo louco.
_ Eu conheço o meu primo, sabia que ia me xingar e não ia querer ver nada. Ele detesta homossexuais. Deve ser um enrustido. O importante é que ele acreditou na nossa história. Não ia ter graça nenhuma a gostosona da mulher dele ficar solteira por aí. Só gosto de mulher casada, você sabe disso. Agora, cá pra nós, esse gerente daqui é uma besta quadrada, acabou de perder um grande cliente, e eu, que me pareço com o meu primo, não vou mais poder pendurar as minhas despesas no nome dele.
E eu, caro leitor, que sou PM e o que ganho não dá nem para almoçar aqui, faço bico como chefe de segurança desse belo restaurante. Estou pensando seriamente conferir para ver se a mulher do primo desse espertinho do Eduardo é tudo isso que ele fala. Depois arranco uma graninha de todo mundo. Argumento pra isso eu tenho, não tenho? Rsrsrsrsr.

domingo, 28 de novembro de 2010

Hora que melhora


Uma amiga postou o seguinte no Orkut: “Está na hora de orarmos pelo Rio e não de fazermos gracinhas sobre o assunto (violência) na Internet". Também acho, e o leitor, se houver algum, também deve achar. Mas orar e rezar deve ter sido as únicas coisas que foram feitas todos esses anos em que os traficantes dominaram a cidade e estenderam os seus tentáculos a todo o Estado, infernizando cidades do interior, mudando a rotina de municípios outrora pacatos.
Não sei exatamente o número de igrejas, evangélicas ou não, existentes no Complexo do Alemão, mas não deve ser pequeno, basta fazer uma rude regra de três e dar um certo desconto. Se em Arraial do Cabo, com trinta e cinco mil habitantes, temos mais de 50, a Comunidade do Alemão tem seguramente cinco vezes mais, quer dizer, umas 250 igrejas. Se ¼ dos moradores do Alemão tiverem algum credo, teremos aí mais religiosos que na nossa pequena Arraial.Os problemas daqui são infinitamente menores que os de lá, mas pelo que se vê, nem nós aqui, nem eles lá têm rezado muito nos últimos anos, ou se tem, tem sido de forma errada.
Aonde eu quero chegar com essas projeções? Além de irritar o provável leitor, a minha colega do Orkut e algum fanático religioso, caso leiam esse artigo, quero dizer que é improvável que reza e mandinga ajudem. Desculpe, amiga do Orkut, mas rezar orar, cantar mantras, acender velas, falar com os espíritos nada disso adianta nessa hora. Orar num conflito como esse dá no mesmo que tomar placebo contra o cãncer. Há ocasiões em que este funciona, mas isso é psicológico. Não resolve orar,efeitos psicológicos não desviam balas nem demove traficantes. Mas a oração não atrapalha, pode continuar orando, mas pergunte-se se não pode fazer nada mais que isso. Não se omitir, por exemplo. Lógico que não estou acusando-a de omissa, mas os seus colegas religiosos, de qualquer denominação, são bastante omissos. Alguns até ficam do lado contrário, como a Igreja Católica diante do Holocausto. Aliás, amiga, muita gente já matou e mata em nome de Deus. Tem muitos pastores tirando quase tudo de quem não tem quase nada. Alguns, descaradamente, possuem contas em paraísos fiscais. Mas isso é outra história.
Portanto, não devemos tirar graça dos fatos, deixemos isso para os Cassetas, mas não vamos apenas rezar, vamos fazer algo mais e esse algo mais começa com gestos bem menores que genuflectir os joelhos e gritar aleluias.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Nesses tempos de e-tudo, talvez seja a hora de e-relaxar


As atuais gerações, já batizadas de “e-geração” ou “geração net”, já vêm de “fábrica” com upgrade. Se acham melhores que os pais, melhores que os avós. Não é certamente a tal da evolução da espécie, explicada pelo inglês Charles Darwin. O que deveria ser o caminho natural, a evolução do ser humano, com o advento da tecnologia da informática, pode ser chamado, sem nenhum medo de errar, de involução no campo das relações interpessoais.
O que evoluiu, na verdade, foram as tecnologias, principalmente as de informática, que trouxe as outras a reboque. O ser humano, ao contrário, sofreu um processo de regressão. Parou de interagir com os seus semelhantes, acha-se auto-suficiente. Com o prestígio conquistado, somado ao dinheiro, ganho com alguma velocidade, as narinas apontam cada vez mais para o céu. Soberba é a palavra da vez para a atual geração. Intolerante, fica torcendo para que as gerações anteriores desapareçam do mapa. Para a e-geração é muito mais cômodo perder o tempo diante de várias máquinas – ela não se contenta mais com o velho PC – a ter que olhar o seu semelhante nos olhos, a ter que conversar.
Muito se tem discutido, pouco se tem feito. Na verdade, não há muito o que se fazer. Este sempre foi o caminho buscado pela raça humana. É a lei do menor esforço. Se podemos fazer quase tudo pela Internet: pagar, comprar, namorar, divertir, estudar, etc, por que devemos nos apresentar a alguém e perguntar pelo tempo? A sociabilidade é uma prática, quando deixamos de fazê-la, fatalmente esquecemos. E nisso a Internet tem sido a divisora de águas.
As gerações off-net não conseguem acompanhar este desenvolvimento. Saídas dos bancos escolares há algum tempo, veem-se desmotivadas a buscar o conhecimento. Por conseguinte, os diversos segmentos do governo nada fazem para inseri-las nesse universo. Até parece que o próprio governo também quer livrar-se dessa gente e-analfabeta.
As empresas, em especial bancos e aquelas voltadas para o e-comércio, é que deveriam investir nesse nicho, são eles os maiores interessados em adquirir novos clientes. Houvesse, por parte deles, uma pequena aplicação do enorme lucro obtido em instrução gratuita, com subsídios na compra de computadores, redução do preço do acesso à rede, dentre outras iniciativas, certamente todos sairiam lucrando.
Assim, uma vez que é inevitável brecar a e-volução dessa e das futuras gerações, resta apenas acompanhá-la para entendê-la, para falar a mesma língua. A língua em si é algo que sempre se inova. Talvez falando o mesmo dialeto deles diminua-se o fosso hoje existente. O mais é encarar com naturalidade.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Santa Catarina, rogai por mim



Marquei às nove horas na saída da universidade. Sou sempre pontual. Cheguei meia hora antes. Era o nosso primeiro encontro. Nos conhecemos pela Internet. Estacionei a picape com as duas rodas laterais sobre a calçada – a rua era estreita –, liguei o rádio para ouvir o jogo de futebol e aguardei Verônica, estudante de Filosofia, solteira, 24 anos, loura, olhos verdes, 1,70 de altura. Uau. Ah, catarinense, tinha que ser, rsrsrs, eu morava em Floripa nessa época.
Sabe aquela batida, tipo Código Morse: uma batida longa, seguida de duas breves e mais três longas? Assim: tan, tarantan, tan, tan. Isso. Até hoje não sei o motivo, mas sempre gostei dessa batida nada original, mais ainda agora, que a ouvia na minha janela. Bom, isso é o que menos importava, mas Verônica, não sei porque motivo, antecipou o nosso encontro, chegou meia hora antes, coisa raríssima se tratando de mulheres. Mas que ótimo que ela chegou.
Verônica!
Rui!
Vamos conversando no caminho?
Ótimo.
Liguei o carro e saí o mais rápido possível.
Interessante...
O quê?
... a cor do seu carro?
Azul
Sei, sei, mas você disse que era verde
Não, não disse que era verde
Bom, não será um detalhe tão simples que irá estragar o nosso primeiro encontro, não é mesmo?
Lógico que não, imagine.
Mas aqui, às dez horas tenho que estar de volta no portão da faculdade, o meu pai está vindo da Penha, vai ficar dois dias em Floripa e quer me ver.
Tudo bem. Já sei que hoje não rola nada.
Nem ia rolar, é o nosso primeiro encontro. Nem nos conhecemos ainda. Nós catarinenses não somos como as gaúchas, que dão no primeiro encontro.
Credo, que bairrismo. Nem sabia que havia isso por aqui. Nós vemos amanhã?
Sem problemas.
Bem, deixei a Verônica às dez horas e dez minutos no portão da universidade. Nos despedimos com beijinhos nos rostos. Manobrava para voltar para casa quando uma maluca riponga, toda desajeitada, óculos fora da moda, duas tranças rebeldes pendentes para os lados, uma franja desalinhada, atravessou na frente do carro. Parei em cima, quase atropelando, mesmo assim, ela veio só sorriso até a janela.
Oi, Rui, sou eu, Verônica. Atrasei dez minutinhos por causa da prova de Hermenêutica Filosófica.
Rui!? Que Rui? Meu nome é Raul.
Mas como, a descrição está batendo certinho. Picape azul.
Só há uma picape azul em toda Florianópolis?
Com placa de Ji-Paraná, dirigida por um nissei, acredito que só.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

MSN pirateado



Timbaúba era apagadão em informática. Sua mulher, ao contrário, era bamba no assunto, não que tivesse alguma formação técnica a respeito, mas pelo fato de passar horas e horas diante do computador. Melhor, era especialista em Redes Sociais; melhor ainda, em fofocas pela net. A mulher era tão astuta que até criara alguns fakes no Orkut e abrira um MSN falso para o amante e batizou com nome de uma de sua amigas:"Carmine". Isso, ela dava seus pulinhos, só para ficar num único eufemismo. Sacaram a esperteza dela? Quando o marido, ou os filhos,ou quem quer que seja, olhassem a telinha do computador, veriam um nome feminino, acima de qualquer suspeita. Eu, particularmente, não confio nessas tecnologias. Se é algo que pode dar errado, certamente dará. É a velha Lei de Murphy. Mas Bia a desconhecia, certamente.
Carmine, abro aqui um parêntese, a de verdade, era amiga de infânica da Bia. As duas não se viam há anos. Casada,filhos e morava numa cidade vizinha, portanto, as chances de se encontrarem eram grandes. Está aí, caro leitor, a brecha que a lei de Murphy precisa para, de soslaio, ou de solapa, pois que nela não há critérios definidos para se fazer valer. Digamos lá que as duas, ou os dois casais, se encontrem na rua. E se o assunto for a net? Vai lá que Timbaúba comente o fato de "as duas ficarem" madrugadas no bate papo. Carmine é terapeuta, trabalha em três hospitais, não tem tempo de ficar na net, muito menos de papo-furado.
Bom, não foi isso o que aconteceu, mas algo próximo, muito próximo, e pior. Era feriado e Carmine, que se fazia acompanhar do marido, fora resolver alguma coisa na cidade de Bia. Não leitor, não sei o que se pode resolver num feriado. Já falei sobre a minha onisciência. Carmine, volto a dizer, aproveitou o momento para visitar a amiga. O acolhimento foi maravilhoso. Ambas sentiam muitas saudades uma da outra. Afinal, só se “viam” pela net. Os quatro conversavam animadamente na sala quando o alarme do MSN chamou a atenção de Bia. Era “Carmine”. Os quatro se entreolharam.
_ É você me chamando, como é que pode? – falou Bia, fingida.
_ Estranho, não querida, Carmine está aqui. Será que deixou o MSN aberto em alguma lan-house? - conjecturou Timbaúba.
_ Não, Timbaúba, eu acesso a net de casa, não freqüento lan-houses.
_ Já sei – cortou o marido de Carmine -, vamos ver quem é. Responde aí, vai.
_ Não, acho melhor desligar essa máquina, falou Bia, Já prevendo algum desastre.
_ Isso mesmo, concordo com o companheiro. Vamos ver quem é. Eu mesmo respondo, já que se trata de uma fraude. Afinal, o policial aqui sou eu. Falou Timbaúba.
Não é que me esqueci de dizer que o Timbaúba era policial federal? Tudo bem, era somente um auxiliar de escritório, um burocrata, que mal sabia empunhar uma pistola, mas era policial.
Os quatro se aboletaram diante do computador e começaram a conversar com o internauta do outro lado.
_ "Oi", disse o internauta.
_ "Oi, td bem", perguntou Timbaúba.
_ "Sim, MS c sdades",
_ "tb"
_ "a última vez foi muito bom"

- "é, foi ótimo"
- "vamos di novo?"
_ "sim"

- "no mesmo lugar"

- "que tal mudarmos?"

- "onde?"
Caro leitor, para economizar o seu tempo, digo logo que eles marcaram um encontro num local chamado Galioto.
Dia seguinte, foram todos para o Galioto, melhor, Bia foi para o Galioto, os três ficaram escondidos, num carro alugado, com os vidros escurecidos.
Àquela hora havia pouco movimento no bar. Bia entrou, sentou-se numa das mesas que dava vista para o lado de fora, e ficou aguardando o ilustre internauta. Não poderia se recusar a fazer o que estava fazendo, isso levantaria suspeitas. No carro, com um binóculo, Timbaúba observava atento. A instante fazia contato com a mulher pelo microfone espião, preso a um dos brincos.
_ Ridículo, isso, dizia ela. Vou-me embora.
_ Vai nada, precisamos desmascarar esse bandido. Onde já se viu cantar a minha mulher assim, ainda mais usando o nome da sua melhor amiga. Isso é crime, dizia convicto o marido.
Lá pelas tantas, entra no restaurante um conhecido do Timbaúba, outro policial federal, o delegado Clarck.
- O que esse cara está fazendo aqui. Será que é ele o tal hacker, Timbaúba perguntou para o casal.
_ Amigo, desconfio de coisa pior. Acho que você está tomando bola nas costas, falou o marido de Carmine. Não há hacker algum. A sua mulher montou esse MSN com a foto da minha para conversar com esse delegado. Você é mesmo corno e eu vou processar a sua mulher por danos morais. A minha não tem nada a ver com essa história.

A discussão ia começar quando a voz de Bia soou no equipamento:
_ Amor, esse sujeito está dizendo que é delegado, diz que vai me prender por crime na net, vem cá, amor, por favor.
- Pronto, deu merda, agora vai é todo mundo preso, eu estou fora, foi dizendo o marido da Bia.
- Fora nada, você vai comigo, você é a única pessoa que pode testemunhar a favor da Carmine. Esqueceu que o testemunho de parente não vale?
E entraram todo no Galioto. Explica daqui, explica dali, tudo ficou esclarecido: um hacker estava brincando com as pessoas. O delegado federal que estava acompanhando o caso achou que aquele seria o momento de pegar o bandido.
Tudo claro como a clara, todos foram embora. Na hora de deitar, o marido de Bia faz a seguinte observação:
_ Amor, sua amiga não detestava uísque? Ela pediu e sequer tocou no copo.
_ Vai ver estava nervosa, respondeu a mulher.
_ “Se eu estiver com um copo de uísque, não se aproxime”. Onde já vi esse filme?
_ Vamos dormir, amor!

sábado, 7 de agosto de 2010

Faltam comandantes



Morríamos aos montes de moto. Era final dos anos 1970, início dos anos 1980. Nós, marinheiros da Marinha do Brasil, morríamos pelos mesmos motivos que morrem a maioria dos que hoje andam numa motocicleta: despreparo, bebida, excesso de velocidade e exibicionismo, não necessariamente nessa ordem, ou todos os ingredientes juntos. Um ou outro morria por culpa de terceiros, muito raro, mas acontecia. Éramos cada vez menos (ou mais) que o comando da Estação Naval de Manaus proibiu a nossa ida de moto até mesmo para os navios nela sediados. A proibição só foi possível porque os argumentos do comandante, que não lembro o nome, eram fortes: “Quem eu pegar de moto transfiro para o Rio de Janeiro; se cair, mando para Mato Grosso, ainda quebrado, para se recuperar com ervas e pajelança numa tribo índígena qualquer do Alto Xingu”. Essa transferência seria sem a moto, claro. Nessa época, a importação de grandes máquinas eram proibidas, somente em Manaus poderíamos desfilar numa Kawasaki 900, numa Honda 750 Four, numa Suzuki 1200, as mais cobiçadas. Voltar para o Rio, ou ir pela primeira vez para o Rio, neste caso, para aqueles que haviam partido de outro ponto do Brasil, significava deixar para trás um bom salário e a vida metida a playboy. Coisas impensáveis, principalmente para a maioria, jovens de origem humilde, quase sempre oriundos de cidades do interior, “se achando”. Assim como os jogadores de futebol de hoje, naqueles anos, no Norte e no Nordeste do país, os marinheiros, aí incluídos todos os postos e patentes, éramos muito assediados pelas garotas.
O Brasil não sabe tratar o problema gerado pelas motos e motociclistas. Nenhum governante sabe tratar o problema. A família não sabe tratar o problema. Então, porque escrevo, certamente estará se perguntando o leitor. Escrevo para dizer que está faltando um "comandante" da Marinha em certas casas, está faltando um “comandante” da Marinha nas três esferas do governo. Eu, que não queria voltar para o Rio e muito menos para Mato Grosso – ainda inteiro, o Estado -, não fui mais para o navio em minha moto. Não foi o medo da morte que me impediu de andar nela, mas sim o de perdê-la. Como não temos esse “comandante”, nossos jovens estão sem limites. Os adultos adversos a capacete dão mau exemplo, seguidos pelos adolescentes, estes, adversos a quase todas as regras da boa civilização, e nada acontece com ninguém. Aos primeiros, a dureza de um “comandante”, tirando-lhe algo que ele goste muito. Foi pego sem capacete ou andando em alta velocidade, fica sem a moto; aos adultos, multa. O Código de Trânsito foi feito para ser aplicado.
Poderia acrescentar ao texto uma relação enorme de cabistas que morreram ou se acidentaram de moto por uma das causas já citadas. Isso só abriria feridas, não resolve o problema, o que passou passou, a vida segue. Mas por que continuamos a cometer os mesmos erros? Quando vamos dar algum valor à vida? Quando seremos responsáveis? Quando cada um dos nossos jovens que andam de moto possuírem alguma sequela? Quando cada família puder computar a sua baixa? É esse o exemplo que deixaremos, junto a tantos outros maus exemplos, para a nova geração? Que tal cada um dos agentes responsáveis fazer bem feita a sua parte? Os governantes, a polícia, a guarda municipal, o cidadão, os conselheiros tutelares, os conselheiros municipais de segurança e, principalmente, os pai, a meu ver, os maiores (i)responsáveis.
Continuo a andar de moto, uma bem menor, sem glamour, mas igualmente mortífera. A responsabilidade me foi imposta, aprendi e hoje pratico a pilotagem segura, responsável. Posso até sofrer acidentes, não estou livre deles, mas a cena que eu não quero nunca mais assistir é a de alguma cabeça, de algum amigo, espocando embaixo de algum caminhão, os miolos espirrados na minha viseira. Não aguento ver isso mais uma vez.

quarta-feira, 21 de julho de 2010


A pergunta pegou-me de surpresa.O medo da resposta errada era a companhia do Santiago, sujeito deveras chato. Qualquer das minhas respostas poderia brindar-me com a presença dele por eternas horas. Sabia que ele estava sem carro, confessou-me isso durante a audiência. Ele não faria mais nada o resto da tarde, isso significava que poderia ir ou ficar em qualquer lugar, até mesmo num bar ou numa igreja, mas iria mesmo puxar conversa comigo. Da última vez eu menti e acabamos parando numa peixaria, por sorte não havia filé de hadock e eu não quis levar nenhum outro peixe. Arrisquei: “Santiago, preciso ficar sozinho, a audiência foi muito cansativa, preciso de um momento de reflexão”. “Como assim cansativa”, perguntou-me.”Esqueceu que fizemos um excelente acordo, o meu cliente aceitou todas as exigências do seu cliente?” “Pois é, pra você ver, isso raramente acontece, é algo fora do senso comum, merece uma meditação”.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Velhas frases atualizadas:


Quem muito quer tem que ter muita grana ou bom cabo eleitoral
Quem tem olho grande não entra na China, compra pela internet ou na 25 de maio.
O bom filho à casa torna e descobre que os pais estão separados, a irmã casou com a ex-namorada e o irmão namora o melhor amigo e que estão indo para a Argentina se casar.
A pressa é inimiga da perfeição e o baiano inimigo das duas.
Antes, só; depois, mal acompanhado. Continuas assim se quiseres, o divórcio agora é rápido e barato.
Água mole em pedra dura tanto bate até que a conta da Prolagos fica insuportável.
Antes que o mal cresça, manda-o para o Pe. Severino.
Deus dá o frio, conforme-se com o cobertor.
Onde há fumaça há fogo ateado por fazendeiro, ou baloeiro, ou favelado ou empresário mal intencionado.
O dinheiro não traz felicidade, mas nos leva aos shoppings e a Paris.
O que arde, arde, curar são outros quinhentos.
O que não tem remédio é hospital público.
Pau que nasce torto só serve pra lenha ou bengala.
Pimenta nos olhos dos outros é crime; no próprio, é maluco ou distraído.
Perguntar não ofende, mas é bom consultar um advogado antes de perguntar. Dano moral está na moda.
Quem espera sempre alcança, exceto quem espera na justiça federal brasileira.
Quem riu por último não entendeu a piada.
Quem conta um conto pode contar um romance, recitar um poema...

quarta-feira, 14 de julho de 2010


Desconfiado da esposa, Manoel resolveu segui-la. Qual não foi a surpresa quando a viu entrar na casa de um amigo. Manoel esperou cerca de 10 minutos e resolveu bater na porta, gritando para o falso amigo abri-la. “Abre, Joaquim, sei que você está aí, o seu carro está aqui fora”. Foi aí que uma voz, vinda de dentro da casa, respondeu: “Mas a moto não está”



Levei para sala de aula alguns exemplares de Seleções, queria que os meus alunos conhecessem a revista. Para incentivá-los a escrever mostrei para eles que Seleções paga até R$ 400,00 por uma colaboração, e que eu enviara a minha. Fui mais longe e prometi a eles que se a minha colaboração fosse aproveitada eu usaria o dinheiro para fazer uma viagem com eles. Uma aluna pediu que eu dissesse para eles qual fora a minha contribuição. Depois que narrei, a mesma aluna falou para a turma: “Esqueçam a viagem”.

sexta-feira, 9 de julho de 2010





poodle, cachorro de madame
o meu, muito brabo, latiu
au, au, não dá pra me chamar por outro nome?




meu gato nunca caçou um rato
pareço empregado; ele, patrão
tem veterinário, cama macia, comida no prato
vive melhor que o cão
e ainda acha que tem razão.




taberneiroooo!
bebi nessa espelunca o ano inteiro
torrei meu precioso dinheiro
e tudo o que bebi,

foi parar, xixi após xixi,
nesse imundo banheiro.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A musse de maracujá


Após almoçar, resolvi comer uma sobremesa numa lanchonete recém inaugurada no centro de Arraial do Cabo/RJ. Ao final, elogiei a musse de maracujá e fiz comentários a respeito de uma que eu comera noutro dia, numa outra lanchonete em um bairro próximo. Disse que tinha um sabor péssimo. _Lá é a nossa matriz, respondeu o balconista, com um sorriso amarelo musse.

A tecnologia dá conforto, mas ainda não trouxe a felicidade, coisa que só a arte pode fazer. Carros e tênis se acabam, poemas são eternos.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

hai cai


O sal cai na pista
vem orvalho da manhã
O ovo derrapa.

mês de chuva e frio
ruas caminham coloridas
em passos céleres
tropeço Caio Graco
levanto Túlio Marco
tonto, troco Marco Túlio
ave memória
chutei dois mil anos de história.



talvez o encontro próximo seja melhor
mais próximo
próximo

domingo, 4 de julho de 2010

antes era uma folha
em branco
mas nada pacificadora
ao contrário, era desafiadora
agora é um computador
preto, cinza ou multicor
mas zombeteiro:
_poeta maluco,
pode ficar aí direto
você tem o dia inteiro
a semana toda
o mês de janeiro
os 365 dias do ano
salvo engano.

poeta


sou poeta
mas não pago meia
não arrumo emprego
só ando com mulher feia
o meu desapego
é mais que necessário
uma vez que nem tenho salário
sou poeta
mas queria ser outra coisa qualquer
ter uma profissão
dinheiro casa carrão
diploma de doutor mulher
pensando melhor:
troco tudo isso por inspiração
pois gosto mesmo é de ser poeta.

sábado, 3 de julho de 2010


Liberdade de expressão é poder rir enquanto choram; chorar, enquanto riem; ou ficar indiferente quando todos o acharem diferente.

exílio


gostaria, primeiro de ser um poeta,
segundo, um esteta
terceiro: encontrar uma teta
estudar inglês
alemão
e chinês
e fazer, num verso só,
uma baita duma confusão
depois pedia asilo
em bom francês
ia morar nos Alpes
só desceria
pra renovar o estoque de cachaça
que nem bebo
mas reservo para um bom papo
com algum amigo mineiro.

diversos ii


era a minha primeira aula de Mandarim
o professor, um chinês, chegou assim
do jeito dele, meio samurai, meio monge
me disse: você vai longe
respondi: é por isso que estou aqui
não passei da primeira lição
agora, quando me dá desejo de ir à Pequim
ligo a televisão.



gosto de ler o que escrevo
declamar meus versos
contar meus contos
mas depois esqueço
afinal, também mereço.


Leminski passou por aqui
baixou em mim
fiz alguns poemas assim.


o mar subiu ao Malibu e pediu:
“suíte presidencial”
está ocupada, respondeu a recepcionista
tudo bem, volto noutra ocasião.


meu cão
da raça deutsch-hund
não fala alemão
eu também não
schwarzem mit Selbstbildnis Hund
é pra ele e pra mim
um tremendo palavrão.

diversos


perdoa,
poeta Leminske,
pensamento voa
quando tomo uísque


nesse ritmo lento
qualquer vento
contrário, ou a favor
causa-me pavor.


sou meio inteligente
meio animal
meio gente.


fiquei magoado
serviram-me uísque aguado
com gelo falsificado
da garganta ao fígado
todos ficaram queimados.


é madrugada
estamos na Baixada
onde nem galo canta
pra não dar a localização
também ele tem medo de ladrão.

quarta-feira, 30 de junho de 2010


Aqui tem muito ladrão
roubaram as rimas ricas
sei que isso não justifica
a falta de inspiração.

Madá

Conheceu Madalena pela Internet numa quinta,
Dois domingos depois estavam na Casa e Vídeo
Comprando um edredon pra casal
Madalena já chegou grávida
Um pouco diferente da foto
Muito diferente de tudo o mais
“Maldito Carlão, falou que isso não ia dar certo.”
“Mas vai dar, ora se vai.”
Madalena enjoada
Muito enjoada
Chega a ser chata
Só toma banho pelando de quente
Só faz sexo com a luz apagada
Mas só dorme com a luz do banheiro acesa
O bife tem que estar bem passado
Bebe café descafeinado
Brigou com a sogra
Não quer gatos
Não gosta do cachorro
Ora sente muito frio,
Ora muito calor.
Reza a toda ora
Ora de hora em hora
Tirou a tevê da sala
Tanto pediu que a mãe acabou vindo do sul
Pronto
João havia se apaixonado mesmo era pela mãe de Madalena
Que não estava grávida
Que não era diferente
Que não era enjoada
Que se deu bem com a sua mãe
Adora cães, gatos e trouxe um papagaio
Que fala “João”
Dorme com as luzes apagadas
Faz sexo com as luzes acesas
Não liga pra tevê
Nem liga pra nada
Um táxi deixou Madalena e malas no aeroporto
Vai ter o bebê em sua cidade natal, talvez fique por lá.
Melhor para o bebê, melhor pra todo mundo.

Insegurança


Confesso que já me senti mais seguro
Mas isso já faz algum tempo
Muito antes do muro
Não o Muro de Berlim,
Mas muito antes, sim
Sequer havia favelas por aqui
Ou invasão
Muito menos, ladrão
A Polícia era o cabo Jorge, o soldado Faqueco
E o doutor Claudio
Que descobrimos, muito depois, que também era soldado
Quanta pureza havia na nossa alma
Quanta beleza, que vida calma
Não havia batalhão
Nem delegacia legal
Pois o legal era o cidadão
Éramos todos amigos
Podia até haver alguma intriga
Nada que duas Igrejas não resolvessem
Mas nada de assalto
Nada de assassinato
Sequer havia corrupção
Se havia era mais velada
Não tanto às escancaras
E tão conhecidas caras
Confesso que já me senti mais seguro
Mas agora ando mesmo em cima do muro
Com cacos de vidro e arame farpado
Grades nas janelas, trancas nas portas,
Câmeras pra todo lado
Aqui pra nós: ando até armado
Mas não ando de madrugada,
Nem ando sozinho,
E respeito os bandidos da cidade
Nem sou louco de denunciá-los
Tenho mesmo medo de morrer
Confesso que já me senti mais seguro
Mas isso já faz algum tempo
E quanto mais tempo, menos seguro
E quanto menos seguro,
Menos tempo
Menos tempo com os amigos,
Com a família,
Menos tempo comigo mesmo
Confesso que gostaria de andar só
Mas ando com o Medo.

domingo, 27 de junho de 2010

A/ jus/ti/ça/ não é/só / len/ta
ain/da an/da/ de/ ca/rru/a/gem
é/ mui/to/ da / pa/cho/rren/ta
não é/jus/ti/ça, é/ sa/ca/na/gem

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Incerteza


Vai que dá certo
Não tentou
Vai que cola
Não falou
Vai que vai
Não foi
Vai que é sua
Não era
Vai que vou
Não foi
Não fui.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Grafite carmim


A poesia não veio, é?
Abra a gaveta
Lamba um desses selos empoeirados
Guardados até quando
Se depois disso ela não vier
Corte os pulsos
Traspasse o coração com uma lapiseira de marca
Veja o próprio sangue escorrer na ponta do grafite
Mas antes deixe algum recado
Quem sabe, vem um outro e transforma esse seu recado em poesia, idiota
Vai, desloque a vírgula, se isso te dá prazer idiota.
Enquanto você não se define, se definha
Mas... não tem jeito mesmo.

terça-feira, 8 de junho de 2010

A Ivan Modesto

Ivan, Ivan Modesto
Que loucura de protesto
Que a vida é uma droga
Isso é mais que notório
Mas vida, meu caro, se prorroga
Agora vamos nós para o teu velório
Ivan, Ivan Modesto
Tu não sabes o quanto detesto
Caixão, vela, defunto
Coveiro, exéquias, cidade do pé-junto
Ivan, Ivan Modesto
Nem para homenagear presto
Queria dizer-te que tu eras um cara bacana
Mas como, se para ti mesmo fostes sacana
Ivan, Ivan Modesto
A vida é mesmo uma bosta
Isto é manifesto
Cada dia é uma nova aposta
Assim como num jogo
É preciso saber perder
Sei que é fogo
Mas do teu jeito, como vencer?

terça-feira, 1 de junho de 2010

Cabo Sarmento, o vingador.



O sargento Teodósio nem se apresentara ainda ao quartel e sua fama de mau se espalhara na tropa. O encarregado de fazer o marketing negativo foi o cabo Sarmento, que, segundo o próprio, servira com o sargento no Rio de Janeiro. Aliás, corria nos bastidores que o sargento Teodósio fora o responsável pela transferência do Sarmento, a contragosto, claro, porque o Sarmento estava bem instalado no Rio. Agora vinha ele, certamente para transferir o Sarmento para uma fronteira. O Sarmento saiu de férias, depois pediria licença especial, não queria ver a cara do desafeto. E o Teodósio se apresentou. Cara de mau.
Teodósio era mesmo muito mau. Menos graduado que ele, não havia conversa: atropelava. Exigia continência até de outro sargento mais moderno. Quando a tropa saia para fazer algum tipo de exercício, o Teodósio não ia. Diziam que era peixinho do comando. Mas, segundo o Sarmento, o problema era outro. E mostrou uma foto. “Que que isso!?” exclamaram todos. Era a mulher do Teodósio. Um mulherão. E o sargento tinha medo de ser corneado. Não era pra menos. E foi aí que a língua ferina do cabo mais uma vez entrou em jogo. Ele, o cabo Sarmento, espalhou que já fora amante da Sonja. Por isso, o Teodósio o odiava e o transferira para Manaus. “Estou fazendo o meu requerimento para sair de seis meses”, disse o Sarmento. “Quando eu voltar, se esse sujeito estiver aqui ainda, peço a minha baixa”, emendou. E lá foi o Sarmento em direção à ala administrativa, ao departamento de pessoal. Meia hora depois volta ele, desanimado, cabisbaixo. Não poderia sair de licença, o quartel estava com deficiência de pessoal. Lamentou-se e, falando baixo, como se quisesse que poucos o ouvissem, murmurou: “Vou procurar Sonja e encher esse calhorda de chifres”. Nesse dia o sargento estava de serviço. Dia seguinte, o Sarmento volta todo sorridente. Dissimulado, não revela como fora a noite, mas todos imaginavam. Junto com as felicitações vieram os pedidos de cuidado, pois a soldadesca que ficara no quartel sentiu de perto a raiva do Teodósio. Não viam a hora de ele abandonar o posto e ir em casa, de surpresa.
Como numa freada, a vida no quartel se ajeitou. Teodósio de serviço, alegria do Sarmento e da tropa. Estava ousado, trazia até fotos da Sonja pelada, como para provar o feito. Até que um dia, o cabo chegou para os colegas e abriu o jogo:
_Rapaziada, a Sonja levou todo o meu dinheiro. Já vendi o carro para o marido dela a preço de banana, revelou.
_Como assim!? perguntaram, incrédulos.
_Não revelei pra vocês, mas a Sonja me cobra pelos programas, e não é pouco, aliás, ela cobra de todo mundo. Se algum de vocês quiser, eu levo até ela, desabafou.
_Caro quanto, quiseram saber os amigos.
_Já devo mais de vinte mil reais, revelou. E vou parar com isso. O cara sempre descobre, numa dessas eu acabo morrendo e bau-bau, adeus Sarmento, o vingador.
_Mas você não pode fazer isso com a gente, imploraram.
E faria, caso os amigos não tivessem construído uma vaquinha para levantar quarenta mil reais para o cabo quitar a dívida e ficar com uma sobrinha para recomprar o carro, além de uma “ajuda motel”. Mas valia a pena, porque o Sarmento prometera fotos fazendo sexo, sem revelar o rosto, lógico. Ele usaria uma máscara, e mostrou ali a máscara, e todos saberiam que era ele, Sarmento, o vingador da tropa.
E foi assim que começaram a surgir algumas fotos da Sonja fazendo sexo com um sujeito mascarado. A tropa se sentia vingada dos castigos impostos pelo sargento. O Sarmento comprou um carro novo e caro, e mostrou uma foto com a Sonja ao lado, no banco do carona, mas essa ele não deixou cópia com ninguém. Dizia que até ali todos eram amigos, mas no futuro as fotos podiam ser usadas contra ele. Os soldados entenderam.
E a vida prosseguia, tranqüila. Tranquila até o dia em que um soldado que trabalha na lavanderia encontra num dos bolsos do uniforme do cabo uma foto da Sonja com uma dedicatória no verso: “Aos meus dois amores, meu marido Teodósio e meu irmão Sarmento, assinado: Sonja.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Morreu tarde


Na tua morte
Sequer houve luto
Deram-lhe um caixão fajuto
Sequer ouvi choro da consorte.

Nos teus tempos áureos
Com saúde e muito dinheiro
Havia amigos vários
Hoje são como agulha em palheiro

Quanto sacrifício para esta gente
Que a contragosto
Sob um sol quente
Conduzem o teu corpo insolente

Não atenderam o teu último desejo
Que o teu corpo fosse doado
Pelos vermes não querias ser comido
Também não deixou grana para ser cremado.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O alérgico


_ Gripou, não? – observou o senhor sentado à mesa em frente, após eu espirrar duas vezes seguidas.
_ É só uma reação alérgica. Provavelmente ao ar-condicionado. Vou mudar de lugar. – respondi.
Mudei de lugar e continuei a espirrar.
_ Tome, esse remédio é batata. Nunca fico resfriado. – receitou.
_ Não, obrigado, não faço automedicação. Como falei, é uma alergia boba, convivo com ela há anos. Já, já passa. – insisti.
O senhor pediu um copo de água mineral ao garçom, aproximou-se da mesa, tirou o comprimido da cartela e me deu. Aliás, empurrou minha goela abaixo, quase me engasgando. Tomei dois goles d`água para ajudar a descer e perguntei que droga era aquela que eu havia tomado.
- Não esquenta. Viu, parou... não está tossindo mais. Falei, é ba-ta-ta.
- Que remédio é esse!?- insisti, perdendo a paciência.
- Loratadina. Coisa boa. – respondeu na maior calma.
_ Boa, boa. É boa pra sua avó. Não posso tomar loratadina, me causa todos os efeitos colaterais da bula: tosse, congestão nasal, distúrbios na micção, dor na coluna, cãibras, mal- estar. Você me ferrou. – vociferei.
O efeito foi imediato. Menos de um minuto estava sentindo tonteiras.
- Caramba, a sua pela está avermelhada! – observou o outro – A minha sogra tem o mesmo problema. Veja, sorte sua, passei na farmácia hoje cedo e comprei o remédio dela. Vai, passe um pouco nos braços. – sugeriu, solicito.
- Também sou alérgico a corticóides. – expliquei, depois de ver a embalagem. Sabe de uma coisa: vou acabar chamando a polícia se você me receitar mais um desses seus remédios. Tentativa de homicídio e exercício ilegal da profissão. – esbravejei.
- Como assim ilegal? Sou médico, olhe a minha carteira.
- E era mesmo. Psiquiatra, mas médico.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Os súditos da rainha


“Nós descendemos da Marinha Britânica. Conhece a história da Volta de Nelson?”. Esse nós eram eles, os oficiais da Armada. Eu sabia da história do almirante inglês, embora não me interessasse por ela. Queria apenas cumprir o meu tempo de serviço e mandar todo mundo tomar naquele lugar, coisa que já fizera antes, mas não era um bom negócio, pois conhecia a cela onde ficara Tiradentes, numa rocha na Ilha das Cobras.
O babaca que me falava essas coisas era o oficial do dia. Entornara algumas doses de Cavalo Branco legítimo, contrabandeado pelo Navio Escola Brasil. Lógico, pois que cota era essa que abastecia quase todos os oficiais generais da briosa e ainda sobrava para um batateiro velho como o Ary? Só mesmo na ilegalidade, no contrabando oficial. E ainda vem o cretino dizer-me que é súdito da rainha da Inglaterra.
Quem eu era? Eu era o master-cook. Sim, que mais eu poderia ser? Entrei no jogo da autoridade. Não tem o velho ditado, una-se aos seus inimigos? Aliás, o oficial nem era meu inimigo, só estava enchendo a minha paciência, depois de eu ter, sozinho, preparado comida para mais de cem homens, entre o pessoal de serviço e os nordestinos e sulistas que moravam a bordo, pois o salário era tão merda quanto o ambiente. Já falei, estava somente aguardando o final do meu contrato para mandar... isso.
Bom. Se eu era um chef inglês ante um discípulo de Nelson, nada mais lógico que preparasse um prato á altura do oficial e convidados. Sim, nos finais de semana eles levavam convidados para o navio, gostaria de vê-los levar para uma churrascaria na Barra e pagar do próprio bolso, mas isso eles não fazem.
“Capitão,vou preparar um prato inesquecível para o senhor e convidados, um prato digno de um oficial da corte, disse-lhe, sério, para não parecer ironia.”
“Desde quando você sabe fazer outra coisa a não ser fritar batatas e ovos?”
Fingi não ouvir a ofensa ao bom profissional que eu fora.
“Que tal, capitão, comer um legítimo Sunday roast? Pode convidar inclusive o oficial superior da Força. Aliás, capitão, eu já cozinhei para o ministro da Marinha, pode olhar a minha caderneta.”
Cozinhara mesmo, até o dia em que a mulher do ministro achou que eu poderia cozinhar para eles em Petropólis. Eu perguntei se o mar havia subido a serra. Por isso estou nesse navio velho.
Comprovada a minha passagem por Brasília, desfiei para o capitão o que seria o prato, mas antes o adverti que precisaria abrir a frigorífica para pegar peru, carneiro, presunto assado e ingredientes para preparar os molhos gravy, cranberry, as verduras especiais, maçãs para acompanhar o gammon, material para preparar o molho de menta que acompanha o carneiro, e também para preparar o molho de raiz forte para acompanhar as verduras.
“Sem problemas”, foi o que ouvi.
O Sunday roast, não estava acreditando que ia comer novamente um Sunday roast, e ainda queria sair da Marinha, só mesmo eu.
Vou economizar ao caro leitor o tempo que levei preparando a iguaria, que modéstia à parte estava digna de qualquer rei ou rainha. Almoçaram cerca de doze pessoas, entre familiares, amigos do capitão e o oficial superior da força, que estava na relação dos novos almirantes a serem promovidos na semana seguinte, bem mais antigo que o comandante do navio.
Os elogios vieram a mim pelo automático e junto a eles um convite do novo almirante, para ser o seu cozinheiro, o que foi prontamente aceito. Bom, vocês já sabem que um navio velho como o Ary, apelidado de batateiro, não teria todos aqueles ingredientes em sua frigorífica a não ser por um motivo especial. Por obra do acaso, eu ouvira o imediato e o comandante acertando os detalhes do jantar de troca de comando da força, que seria no nosso velho e querido Ary Parreiras. Para todos os efeitos, eu não sabia a finalidade daqueles mantimentos. Bom, o capitão não chegou a conhecer a prisão onde ficara Tiradentes, mas foi transferido para Ladário, Mato Grosso do Sul, com dez dias de prisão para serem cumpridos lá. Deve ser assim na Gã-Bretanha. Sorry.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Link para Modernismo - 3º ano

http://pt.wikipedia.org/wiki/Modernismo
Fränzi perante uma cadeira talhada (1910), de Ernst Ludwig Kirchner, Museu Thyssen-Bornemisza, Madrid

Link para Romantismo 2º ano

http://pt.wikipedia.org/wiki/Romantismo


(The Charge of the Mamelukes) Goya - 1814

sábado, 3 de abril de 2010




Esses óculos ficam bem no seu rosto.
Fora do seu rosto, ficam mal
Os óculos, sim, têm bom gosto
Não escolhem qualquer rosto, afinal.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Aula de redação


_O tema de hoje é sobre as férias. Contem em vinte linhas como foram as férias de vocês.
_Ué professor, o senhor viu a gente o tempo todo, já sabe como foi. Ninguém foi pra Paris nem pra Disney, ficamos aqui no morro, que não tem cinema, nem quadra de esportes. Nossa redação não dá nem três ,linhas.
_Tá bem, vamos ver outro tema, que não seja a violência, pelo amor de Deus.
_Podemos falar da não violência.
_Ótimo, gostei da idéia.
_O Zoião, amigo nosso desde garotinho não matou ninguém nessa semana, não vendeu fumo na boca e nem alugou armas aos pessoal da outra favela. Está tudo em paz aqui na comunidade desde a semana passada, uma tranquilidade, dá gosto viver na favela em que nasci, vou até me orgulhar. As “minha nota” aumentaram todas e os professores não faltaram mais, embora nem recebesse aumento. Acho que vou terminar a oitava série e antes dos trinta termino o segundo grau, se continuar essa calmaria toda, acho que não vai dá pra fazer faculdade. Ponto final.
_Ótima, muito boa redação. Pode melhorar, acrescentando informações importantes que o leitor naturalmente vai questionar. Como exemplo o motivo pelo qual o Zoião não matou ninguém, não vendeu mais fumo e nem alugou armas. E por qual motivo você não vai entrar na faculdade, já que o clima está tão favorável.
_Poxa, professor, o senhor pede “pra gente não falarmos” de violência, e agora quer saber isso. A polícia passou o cerou no Zoião, por isso ele não faz mais nada daquilo. Quanto a faculdade, só não vou fazer porque quem ia pagar ia ser o Zoião, como ele morreu, eu me ....dei mal.

domingo, 28 de março de 2010


Eu a quero
porém Ela não me quer
prefiro ficar só
a ficar com outra mulher



Que castigo
Casada três vezes
Nenhuma comigo

sexta-feira, 26 de março de 2010

Sai uma saideira aí.


O colesterol tá alto, doutor?

Muito alto?
Muito
Muito, muito?
Muito, muito, muito
Passando de trezentos?
Cada muito é muito
Pois é, tem muito muito
Tem jeito?
Não vejo
A pressão tá alta, doutor?
Não?
Isso é bom?
Não
Por quê?
Tá muito, muito, muito, baixa
E cada muito é muito muito
Isso
E agora?
Pede a saideira.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Lições pela internet


O que você vê na tela?
Vários ícones. É esse o nome dessas figurinhas e símbolos, lá no alto?
Isso, isso. Tá vendo, você já sabe alguma coisa.
Mas isso é moleza, até a minha irmã de seis anos sabe.
Tem razão. Bem, vamos lá. Clique com o botão direito do mouse sobre o ícone que se parece com uma folha A4 com uma dobrinha, no canto esquerdo da tela, lá no alto.Vai aparecer uma tela em branco. Digite nela.o que você tem para digitar.
Dez minutos depois, novo contato.
Digitei, e agora?
Isso, agora vá em “janela”, na palavra, ainda lá em cima, e clique com o botão direito do mouse. Vai aparecer uma relação de opções. Clique em “mala direta”.
O amigo espera alguns segundos:
Clicou?
Um minuto, pediu o aluno-amigo.
Não um, mas três minutos depois, o amigo-professor volta a perguntar:
E aí, ainda não clicou?
Ah, cliquei.
Que demora! Apareceu o quê?
Cara, a tela apagou geral, tá toda escura, mas a vizinha do 701 acabou de desabotoar o sutiã.

domingo, 7 de março de 2010

O secretário de inclusão


Não é que o prefeito da pacata Rosarina do Agreste, a 400km da capital, ia receber o assessor do governador do estado? Para a pequena cidade estava bom demais, porque a única coisa que vinha da capital era má notícia em lombo de burro velho, trazida por algum mascate igualmente velho. Isso, em lombo de burro, tamanho era o atraso do arraial.
Todos os preparativos estavam sendo feitos. A esperança era que o assessor saísse de Rosarina com uma boa impressão e trouxesse o governador, o que garantiria a reeleição. Tudo parecia correr dentro das normalidades, quando o mestre de cerimônia interrompeu o cochilo do prefeito.
_Sim, e eu com isso que o homem seja mudo?
_ Mas ele vem ver justamente isso, seu prefeito, o que nós fizemos com a verba para preparar os professores da rede para a tal da inclusão. Pior, não vai trazer intérprete. A verba, aquela verba que o senhor usou para comprar votos, era para os professores aprenderem LIBRAS.
_Vixe Maria!
_É, vixe Maria. E agora?
_Manda chamar o secretário de inclusão social
_E desde quando nós temos isso?
_A partir de agora. Nomeie alguém.
_Quem?
_Timbaúba.
_Abestou, é? O homem é de oposição.
_Então, é por isso mesmo. Ele para de falar mal da gente. Se der errado, o que eu acho que vai acontecer, quem se queima é ele.
_Mas como desgraça esse sujeito vai aprender a falar língua de mudo?
_Isso é mole, já vi na televisão. Esqueceu que a internet já chegou até nós? E o homem tem um computador em casa. Ele se vira, é coisa pra dar errado mesmo.
No dia e hora marcados, o Santana com placa branca estacionou diante da prefeitura.
O assessor desceu e se dirigiu ao gabinete. Ao lado do prefeito, todo altivo e só sorrisos, Timbaúba. Secretário de Inclusão Social, com portaria retroativa e direito a mais dez cargos comissionados, direito esse que ele exerceu imediatamente, nomeando toda a família, pois no interior é assim que funciona a política.
Conversa vai, conversa vem,Timbaúba até então estava perfeito. Conseguiu dar as boas vindas, apresentou o prefeito, a primeira dama e os secretários, mas quando a coisa pegou mesmo, mandou o prefeito chamar a polícia e prender o assessor do governador. Motivo? No gabinete ele disse ao prefeito que o assessor estava chamando não só o prefeito de ladrão, mas todo o seu secretariado, pois o gesto de cruzar a mão direita espalmada em vertical, sobre a esquerda com a palma voltada para baixo, queria dizer que o prefeito havia repartido a verba para a preparação dos professores. E o homem ficou mesmo preso durante alguns dias, até que o governador, vendo que o seu assessor não voltava da viagem, mandasse um intérprete e um advogado ao lugarejo. Adeus visita de governador, adeus reeleição,.
Em off, para o seleto grupo de amigos, Timbaúba, já sem portaria, disse que não perderia por nada desse mundo a oportunidade de acabar com a raça do prefeito, que agora estava passando por um processo de impeachment por conta mesmo do roubo. Mas quem conhece Língua Brasileira de Sinais, como o secretário de educação, que não é consultado nem na hora de contratar os professores, coisa feita pela primeira dama, garante que Timbaúba é um analfabeto em LIBRAS, pois o que o assessor dissera, entre outras coisas, foi que o prefeito estava negando aos surdos-mudos o acesso à educação. Não dissera que estava roubando.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Uma viagem com as letras


Ah, hoje pela manhã deu-me vontade de escrever
Isso mesmo: escrever
Simples
Uma imensidão de mundo a nossa volta
E mal o contemplamos
Mudei de idéia
Vou desenhar
Parece mais fácil
Desenharei, lógico, à minha maneira
Que será uma espécie de escrevinhar
Escrever e desenhar
Um m para o mar
Vários enes para as gaivotas
Um C emborcado para o morro ao fundo
Um W dá uma linda montanha nevada,
Basta virá-lo
Assim como dois R, deitados e um com a perna virada para o outro
Um E dormindo de barriga para baixo
É a casinha do pescador
Que está lá longe, depois das ondas
Num barquinho em forma de U
Pescando com a letra J
Que tem forma de anzol.
Faço ruas curvas e suaves como o S
Outras, fechadas e perigosas
Como o Z
Uma árvore cheia de X
Outra com vários Os maduros
Ao longe, uma cabana de índio, um A perfeito
Iluminada com lâmpadas em forma de G
Dependuradas em postes T
Tudo muito, muito colorido
Um campinho de futebol com traves de rúgbi
Ou um campinho de rúgbi com bolas redondinhas como os Os?
Viro o Y de ponta cabeça, colo o D em sua perna
Pronto, tenho um moleque de rua, barrigudo
Co m o Q na cabeça
Dando língua o tempo inteiro
Rsrsrssr. Não me contive e ri
O L com o O na cabeça, é um moleque sentado
Observado pelo P
Deito dois K e faço uma mesa reforçada
Com madeira reciclada
Aliás, foi a primeira coisa que fiz
Pra desenhar
Do meu jeito, eu falei
Caso falte algumas letras
E faltam
Você mesmo pode desenhá-las
Ou escrevinhá-las.
Aliás, nem precisa faltar letras
Você pode desenhar outras letras.
Como uma pintura,
Elas se precisam
Para formar palavras
Formar frases
Pra conversar
Poxa, pra tanta, mas tanta coisa,
Que com poucas palavras
Não dá para contar
Nem pintando.
Descobriu que letras estão faltando?
Isso o B
E o V
Não podiam faltar as rimas
Nessa pintura
São duas artes
São primas
A plástica
E a literatura.