quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Um susto legal


Eu e Carlos fazíamos Medicina em Minas Gerais. Estudávamos em cidades diferentes, mas todos os anos voltávamos juntos para a nossa terra, no interior de Goiás. Eu era o único com carro e por isso passava na república onde ele morava e lhe dava carona. Num final de ano, acho que o último antes da nossa formatura, eu parei em frente a casa,uma construção do século XVIII, bati na porta, com uma daquelas argolas metálicas, muito comum antes da invenção da campainha, e aguardei alguns minutos. Depois repeti, e nada de ser atendido. Uma senhora, vizinha,dessas que tomam conta de todo o quarteirão, chegou a mim e disse que um carro do IML havia acabado de sair do local. Perguntei se acontecera alguma coisa com o meu colega, ela não soube responder. Peguei o endereço do IML e me dirigi pra lá às pressas. Uma vez no IML, perguntei ao recepcionista se algum corpo dera entrada ali na última hora, ele disse que sim; a seguir perguntei pelo nome, e a resposta fez-me tremer as pernas e gelar todo o corpo. Recompus-me e pedi para ver o cadáver. O recepcionista chamou outro funcionário e fui com este até ao salão das geladeiras. Senti o maior alívio do mundo quando vi que o corpo era de outro Carlos. Voltei para a portaria e perguntei se um estudante de medicina não havia chegado ali no carro do instituto. Ele disse que sim, acompanhava um dos professores da faculdade, que por sinal era o legista de plantão, mas saiu há poucos minutos para deixar o aluno em casa. Voltei correndo para a república e lá encontro o Carlos, malas arrumadas, olhando para o relógio. Dei-lhe o abraço mais gostoso do mundo e uma bronca, pois não me dissera que havia optado por Medicina Legal.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O congresso

A mulher, que participava de um congresso na Inglaterra, ligou pro marido dizendo que sairia de Londres no domingo, dia 19, às nove horas, e chegaria no Rio por volta das 20. Até eu achei estranho. Que milagre seria esse, já que o aeroporto de Heathrow estava fechado por conta da nevasca que caía sobre o Reino Unido desde sábado. “Bom, vai ver que vem num avião militar”, pensou o marido, já coçando o alto da cabeça. Vinte horas, conforme combinado, lá estava ele no Aeroporto Tom Jobim. No horário cravado, a mulher aparece na sala de desembarque. Ele não ouvira nenhum anúncio de voos vindos da Europa. Bom, aguardaria as explicações da mulher em casa, ali não era lugar pra isso. Em casa é que a surpresa foi maior: a mulher estava completamente bronzeada e não era artificial, com certeza. Achou que já estava passando o momento de pedir explicações, mas seria delicado como sempre, nada de ofensas. Perguntou, então, como fora o congresso. Ótimo. Aprendi muito com os ingleses, aquilo que é povo educado, são incapazes de pedir qualquer coisa sem usar antes o famoso “pris”. O marido, que já andava mais que desconfiado, corrigiu: “Não seria please? “Please, ‘pris’, pra mim é tudo a ‘merma’ coisa, disparou a mulher. “Como você se virou lá, com esse inglês vitoriano", ironizou o marido. “Você me conhece, sabe que viro, me reviro e dou reviravoltas muito bem. A propósito, antes que você me faça um montão de perguntas, que eu sei que a sua língua tá coçando, veja o presentinho que eu trouxe pra você, ingrato”. A mulher abriu a bolsa e passou às mãos do marido um pequeno embrulho com cerca de vinte centímetros. O marido abriu a embalagem com cuidado; dentro, um lindo estojo. Quando ele viu o conteúdo deu um grito que mais parecia a comemoração de um gol de final de campeonato. “Uma Montblanc John Lennon. Amor, eu não mereço, deve ter custado uma fortuna. Veja, que lindo esse braço de violão no corpo da caneta. Amei, não acredito no que estou vendo”. O sujeito encheu a mulher de beijos e afagos. Ele estava tão feliz que nem se importou com a embalagem da caneta, informando que fora comprada num shopping da África do Sul. Vai ver o avião fez escala em Johannesburgo, demorou muito o traslado e sobrou tempo até para pegar um bronze. Vocês pensam que voos só atrasam no Brasil?

domingo, 19 de dezembro de 2010

O brinco perdido


Um dos garçons chega à mesa ao lado da minha e discretamente pede ao senhor, acompanhado de uma linda dama, que o acompanhe até à gerência. Mal o homem sai, a mulher fala com alguém pelo celular. Cerca de 15 minutos depois, o homem aparece e senta-se no mesmo local. Esforça-se para parecer natural, mas não consegue. Sinaliza para a mulher que pretende deixar o lugar. O homem chama o garçom, pede a conta, paga, levanta e vão embora. Seleciono a câmera dois e vejo que o casal aguarda o manobrista numa das salas de espera. Coloco os fones nos ouvidos, em busca da melhor sintonia, e consigo captar a conversa. Mas antes, deixe-me apresentar: sou segurança e trabalho neste restaurante, o mais chique da cidade. Pareço um cliente normal, mas da minha mesa, com um iPad, tomo conta de todo o ambiente e da área externa. Mais pareço um executivo que um segurança. Feita a devida apresentação, voltemos:
_ Como você explica isso? Pergunta o homem, abrindo a mão direita e mostrando um brinco.
_ Eu falei pra você que havia perdido um dos brincos, respondeu a mulher.
_ Falou. Mas não que perdera aqui, na semana passada, quando jantou com alguém que, suponho, se parece muito comigo. Sabe o que o gerente falou pra mim, quando saí da sala dele? Que lembrava muito bem de mim, pois eu sento sempre na mesma mesa. Sabe o que mais? Que não tinha certeza sobre você, por isso ele me chamou lá dentro. Você poderia ser a outra. Que ironia: eu sou o outro.
_ Essa jóia pode ser falsa.
_ Falsa? Vou voltar com ela amanhã mesmo na H. Stern.
_Não, não é, infelizmente. É meu mesmo. Confesso tudo. Estive aqui com o seu primo, o Eduardo...
_... imaginei...
_ Eu usava uma peruca, não queria ser vista com ele. Mas ele me garantiu que não havia problema, que o assunto era muito urgente e preferia que fossemos vistos em lugar público. Eu não queria porque todo mundo sabe a fama dele e esse é o seu restaurante preferido.
_ O Eduardo é o maior garanhão. Já levei até porrada por causa dele. E ele só gosta de mulher casada. Não acredito que você aceitou conversar com aquele idiota longe de mim.
_ Calma. O Eduardo não é mais o mesmo. Ele me confessou que agora gosta de homens. Isso, o Eduardo virou gay. Segundo ele, sempre foi gay. A macheza era só uma cobertura, frágil, por sinal.
_ Conta outra, vai. O Eduardo gay, era o que faltava.
_ Ligue pra ele, então, se não acredita em mim. Falou, já chorando.
_ Vocês combinaram tudo. Se eu ligar, ele vai me atender desmunhecando, com voz em falsete.
_ Não, ele não faz esse tipo. Eu vou ligar pra ele, vou pedir pra ele vir aqui e contar tudo pra você.
O casal cancelou o pedido do carro e voltou para o salão do restaurante. Sentaram no mesmo local e pediram uma garrafa de vinho tinto. Cerca de vinte minutos depois, chega o tal Eduardo, acompanhado de um rapaz cerca de dez anos mais novo. Imediatamente pede desculpas ao casal por fazê-los passar por tudo aquilo, a seguir agradece imensamente à esposa do primo por fazê-lo sair do armário.
_ Vocês namoram a quanto tempo, perguntou de chofre o marido, olhando para os recém chegados.
_ Três meses, responderam em uníssono.
_ Treinaram antes de vir pra cá. Eduardo, você pode até fazer sexo com essa cara na minha frente, que eu não confio em você. Olhe, vou embora resolver esse assunto com a minha mulher em casa, aqui não pe lugar pra isso.
_Não vá, te imploro, primo. Veja o nosso vídeo, eu e o Carlos saímos de um motel agora, nós nos amamos de verdade.
_ Vá pra ... se não estivéssemos num restaurante eu ia acertar a sua cara. Eu lá quero ver essa nojeira, seu viado sem vergonha. Esqueça que é meu primo, nunca mais fale comigo. Vamos embora Clara, deixe esses dois aí. E nunca mais entro nesse restaurante. Vocês me causam asco.
O cara saiu furioso. Tinha toda a razão do mundo, mas deveria voltar quinze minutos depois, quando o Eduardo, já meio alto, diz para o amigo:
_ Cara, a mulher do meu primo vale qualquer sacrifício, que mulherão. Falta de sorte foi ela ter perdido a merda daquele brinco, que nem da H Stern é. Você foi demais, fico te devendo essa.
_ E se o cara quisesse ver o tal vídeo? Essa máquina só tem fotos da minha irmã. Você é mesmo louco.
_ Eu conheço o meu primo, sabia que ia me xingar e não ia querer ver nada. Ele detesta homossexuais. Deve ser um enrustido. O importante é que ele acreditou na nossa história. Não ia ter graça nenhuma a gostosona da mulher dele ficar solteira por aí. Só gosto de mulher casada, você sabe disso. Agora, cá pra nós, esse gerente daqui é uma besta quadrada, acabou de perder um grande cliente, e eu, que me pareço com o meu primo, não vou mais poder pendurar as minhas despesas no nome dele.
E eu, caro leitor, que sou PM e o que ganho não dá nem para almoçar aqui, faço bico como chefe de segurança desse belo restaurante. Estou pensando seriamente conferir para ver se a mulher do primo desse espertinho do Eduardo é tudo isso que ele fala. Depois arranco uma graninha de todo mundo. Argumento pra isso eu tenho, não tenho? Rsrsrsrsr.