domingo, 17 de abril de 2011

No Brasil, todo dia é dia de chacina





No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade
Poema Brasileiro, Ferreira Gullar

Seja honesto, caro leitor, e me diga se por acaso ainda lembra das chacinas ocorridas numa quinta-feira à noite nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense. Foram mais de 30 mortos. Aconteceu em 2005. Não lembra? Eu também não lembrava, quem avivou a minha mente foi o Google. Das chacinas, lembro vagamente de Vigário Geral, Candelária, Carandiru e Presídio São José, em Belém do Pará, Ah, tem a de Eldorado dos Carajás, também no Pará, estado que amo tanto ou mais que o Rio de Janeiro. Em termos de chacinas, acho que o Pará é disparado o campeão brasileiro. Lá, terras são disputadas à bala. Como a Reforma Agrária anda a passos de tracajá, quelônio da Região Norte, muitas mortes acontecerão ainda.
Assim como havia, ainda no Brasil colônia, as Entradas e as Bandeiras – assassinos travestidos de desbravadores -, a primeira estatal, bancada pelo governo português, e a segunda privada, nós temos ainda hoje as chacinas públicas, cometidas pelo ou com a participação do Estado, seja por ação ou omissão, e as chacinas particulares. São estatais as chacinas cometidas nos hospitais públicos, nas filas do INSS e aquelas praticadas por policiais, em serviço ou não; são privadas as chacinas perpetradas por fazendeiros e bandidos de todos os tipos e gêneros, excetuando-se os policiais, pois funcionários públicos. Há, ainda, as chacinas com dupla participação: os motins em delegacias e presídios e a matança dos nossos índios, por fazendeiros ou filhinhos de papai da capital do país. É obrigação do Estado manter a segurança do seus presos, já a responsabilidade pela segurança dos indígenas é obrigação da FUNAI. Em termos de homicídios, o Brasil certamente ocupa lugar privilegiado. Alguém acha que não seja assassinato a morte de bebês por falta de clínicas neonatais? Os abortos realizados por mães adolescentes? E a constatação de que no Piauí de cada dez crianças nem sete completam os dez anos de idade? Culpa de quem? Do Estado, lógico.
Pior que o nosso gigante adormecido só o famigerado Afeganistão, onde somente duas de cada dez crianças completam os cinco anos de idade. Mas a economia afegã ocupa apenas a 110ª colocação. O país, que sempre sofreu invasões ao longo de sua existência, passou por três sangrentas revoluções nas três últimas décadas, não tem saída para o mar, há poucas terras cultiváveis, possui uma inflação de mais de 20%, tem uma população com maioria analfabeta, enfim, só está sobrevivendo graças à ajuda internacional, o que não é o caso do Brasil. Mesmo assim, no Afeganistão ocorrem menos chacinas que aqui.
Em pouco tempo varreremos Realengo das nossas mentes. A essa tragédia está reservado o mesmo lugar das outras: o limbo da nossa memória. É bom que a esqueçamos mesmo, remoer casos como este nos faz muito mal, sem contar que não podemos tirar quase nenhuma lição do que aconteceu naquela escola, a não ser que devemos nos tratar melhor, amar mais, porque o tempo também está no cano de uma arma, na cabeça de um insano. O louco que matou aquelas crianças era considerado um sujeito inofensivo. Como ex-aluno, entraria mesmo na escola. Pensar em detector de metais e seguranças revistando bolsas é inviável, como já declarou uma autoridade no assunto. O que não podemos fazer é banalizar nenhuma morte, seja ela de crianças, trabalhadores, sem terra, sem teto, índios, presidiários, e até mesmo bandidos. A figura do carrasco tem que continuar na Idade Média. A policia inglesa foi questionada justamente quando matou, sendo assim, policia boa não é a que mata e sim a que prende. O que mais fazemos nesse país é banalizar as chacinas e os escândalos de toda espécie.
Combinei com o editor que enviaria o texto na segunda-feira, 18, por e-mail, depois que eu lesse os jornais da capital, assim eu ganharia tempo e material para provar a minha teoria, mas não foi preciso esperar tanto. Em Macaé, nossa vizinha rica, a apenas 94 Km, policiais do 32º Batalhão da Polícia Militar, na sexta-feira, mataram quatro jovens com idade de dezoito anos. Acho que vou mudar o título do meu artigo para “Todo dia é dia de chacina no Estado do Rio”.