quarta-feira, 7 de outubro de 2009


De arrepiar
Suava frio o sujeito que acabava de entrar no meu escritório.
_ Doutor, como faço para despedir o meu funcionário? – perguntou, sem ao menos sentar
_ Imagino que ele tenha cometido alguma falta gravíssima, para o senhor entrar assim, espavorido - comentei.
_ Sim, ao meu ver, a falta é muito grave, embora eu nunca tenha ouvido que algum outro empregado, em qualquer outra empresa, em qualquer lugar do mundo, tenha cometido semelhante falta.
_ E qual foi essa falta grave?
_ O meu empregado é um fantasma, um morto vivo, ou vivo morto.
_ E como o senhor chegou a essa conclusão?
_ Eu o vi saindo do cemitério por volta das três da madrugada..
_Vai ver não tem onde dormir e dorme lá. Dizem que é mais seguro que aqui fora, você sabe disso.
_ Doutor, não brinque com coisa séria. Tenho quase sessenta anos e um nome a zelar. Acrecite, coloquei um espelho na loja só para ver a imagem dele. Doutor, ele não reflete a imagem no espelho.
_Explicação fácil: quem tem imagem a zelar é o senhor, não ele. Então, desnecessário despedi-lo. nem precisa pagar, morto não reclama direitos trabalhistas, nem outros quais quer. Quanto à parte fantasmagórica da coisa, eu não posso responder nada, pois dissso nada entendo. Quem sabe, um espírita pode ajudá-lo.
O sujeito se retirou aborrecido com o meu humor fora de hora. Sequer cobrei pela consulta, pois achei a história muito fantasiosa. Mas rapidamente mudaria de idéia quando uns 15 minutos depois entra outro sujeito, o empregado.
_Doutor, o meu patrão disse que conversou com um advogado e acredito que seja o senhor. Ele foi aconselhado, pelo senhor, lógico, a não pagar os meus direitos trabalhistas. Acontece, que eu trabalho, doutor. Fantasma ou não, trabalho. Eu sou um fantasma funcionário, não um funcionário fantasma; o meu emprego não é público, não trabalho para o governo.
Pensei que todos os loucos da cidade tivessem tirado o dia para me zoar.
_Meu jovem, o que deu em vocês, por que me escolheram para fazer pegadinhas? Há outros advogados nesta cidade.
_Mas nenhum deles com as suas características, doutor.
_E que características são essas?
_Anúncio no obituário.

sábado, 3 de outubro de 2009

Basílica de Nossa Senhora de Nazaré - Belém do Pará.

A Promessa


Seu Raimundo Nonato andou mais de mil quilômetros. Saiu de Picos, no Piauí, e foi a Belém do Pará pagar promessa feita à Nossa Senhora de Nazaré. Chegou exausto no Ver-o-Peso e pediu uma cuia de tacacá para matar a fome. Perambulou pela cidade o restinho de dia e ao entardecer procurou um abrigo público, pois os únicos trocados só davam mal e porca para uma refeição diária, coisa que nem dá para chamar de alimentação. Mas nessa época do ano até banco de praça fica com excesso de gente, sequer dá para guardar vaga, pois os lugares ficam marcados, à espera dos donos, que só saem para fazer as necessidades e voltam. Os abrigos estavam lotados.
Raimundo Nonato, além do próprio corpo cansado, trazia uma pesada réplica em madeira, de uma perna de tamanho de perna de adolescente. Segundo ele, a filha se recuperara de um câncer graças às preces que fizera à Nossa Senhora de Nazaré. A filha fora desenganada pelos maiores especialistas, chegou a ir para o Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Uma vez em Belém, um dia antes do Círio de Nazaré, Raimundo queria dizer à família que chegara bem, graças Deus, embora com os pés em feridas e terríveis dores abdominais, devido à falta de alimentação seguida da péssima, quando havia. Raimundo foi a um dos orelhões em frente à Basílica e ligou para o seu povo. "Não diga, mulher, isso não é justo, logo agora que cheguei. Qui vamo fazê sem nossa Seiça? Como curpa minha, não deu pra vim ano passado, sabe".
Raimundo Nonato saiu cabisbaixo, pegou a réplica da perna da filha e iniciou caminho de volta.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009


Foi engano

_Tio Donato!?
_Não, aqui não tem nenhum Donato. Você dever ter discado errado.
_Desculpe, aqui é a sobrinha dele, estou tentando falar com tio Donato pra avisar a ele que já estou na rodoviária. Disquei errado. Tchau, desculpe novamente.
_Sem problemas. Tá precisando de ajuda? Posso pegá-la na rodoviária e te ajudar a encontrar o seu tio.
_Não, não conheço o senhor, nem o senhor me conhece.
_Então, mais um motivo: o seu primeiro amigo na cidade. Você já conhece Cabo Frio?
_Só de ouvir o tio falar.
_Posso ir até aí? Estou perto, caso não queira a carona, pode desistir.
_Não, acho melhor não. Está muito tarde, o tio já vai chegar. Agradeço, mas tio Donato não vai gostar se souber que eu fiz isso. Recebi várias recomendações dos meus pais.
_Qual a sua idade?
_Isso não importa, ainda moro com eles e devo-lhes satisfação, é o mínimo.
_Calma, não vamos discutir, nem nos conhecemos, como você mesma afirmou. Olha, estou indo aí, se não gostar da minha aparência, se não se sentir confiante, não tem problema. Te faço companhia até o seu tio chegar.
_Você é insistente, me venceu pelo cansaço. Pode vir, mas vou aguardar o meio tio Donato.
Meia hora depois, aparece o tio Donato.
_Tio, esse é um amigo, me fez companhia até agora.
_Muito prazer, rapaz. Vou te dar o nosso endereço, apareça lá em casa amanhã, daí você pode conversar mais com Silvinha.
_Será um prazer
_Bom, vou chamar um táxi, o mecânico ficou de devolver o meu carro mas avisou que não tem peça no momento. Carro importado é uma droga, só é bom enquanto não dá feito.
_Nada de chamar táxi, seu Donato, eu levo vocês.
_ Nada disso, meu jovem, moramos longe, não quero dar trabalho.
_Eu insisto.
_ Bom já que insiste
E foram em direção à Ogiva. O seu Donato era um idoso simpático, logo caiu nas graças do novo amigo da neta.
_ O que o senhor faz na vida, seu Donato?
_ Coleciono carros importados.
_ Usados?
_ Não. Novos, de preferência saídos da agência.E está faltando justamente uma Pajero Prado na minha coleção. Essa é uma Pajero Prado, não é?
_...