sábado, 7 de agosto de 2010

Faltam comandantes



Morríamos aos montes de moto. Era final dos anos 1970, início dos anos 1980. Nós, marinheiros da Marinha do Brasil, morríamos pelos mesmos motivos que morrem a maioria dos que hoje andam numa motocicleta: despreparo, bebida, excesso de velocidade e exibicionismo, não necessariamente nessa ordem, ou todos os ingredientes juntos. Um ou outro morria por culpa de terceiros, muito raro, mas acontecia. Éramos cada vez menos (ou mais) que o comando da Estação Naval de Manaus proibiu a nossa ida de moto até mesmo para os navios nela sediados. A proibição só foi possível porque os argumentos do comandante, que não lembro o nome, eram fortes: “Quem eu pegar de moto transfiro para o Rio de Janeiro; se cair, mando para Mato Grosso, ainda quebrado, para se recuperar com ervas e pajelança numa tribo índígena qualquer do Alto Xingu”. Essa transferência seria sem a moto, claro. Nessa época, a importação de grandes máquinas eram proibidas, somente em Manaus poderíamos desfilar numa Kawasaki 900, numa Honda 750 Four, numa Suzuki 1200, as mais cobiçadas. Voltar para o Rio, ou ir pela primeira vez para o Rio, neste caso, para aqueles que haviam partido de outro ponto do Brasil, significava deixar para trás um bom salário e a vida metida a playboy. Coisas impensáveis, principalmente para a maioria, jovens de origem humilde, quase sempre oriundos de cidades do interior, “se achando”. Assim como os jogadores de futebol de hoje, naqueles anos, no Norte e no Nordeste do país, os marinheiros, aí incluídos todos os postos e patentes, éramos muito assediados pelas garotas.
O Brasil não sabe tratar o problema gerado pelas motos e motociclistas. Nenhum governante sabe tratar o problema. A família não sabe tratar o problema. Então, porque escrevo, certamente estará se perguntando o leitor. Escrevo para dizer que está faltando um "comandante" da Marinha em certas casas, está faltando um “comandante” da Marinha nas três esferas do governo. Eu, que não queria voltar para o Rio e muito menos para Mato Grosso – ainda inteiro, o Estado -, não fui mais para o navio em minha moto. Não foi o medo da morte que me impediu de andar nela, mas sim o de perdê-la. Como não temos esse “comandante”, nossos jovens estão sem limites. Os adultos adversos a capacete dão mau exemplo, seguidos pelos adolescentes, estes, adversos a quase todas as regras da boa civilização, e nada acontece com ninguém. Aos primeiros, a dureza de um “comandante”, tirando-lhe algo que ele goste muito. Foi pego sem capacete ou andando em alta velocidade, fica sem a moto; aos adultos, multa. O Código de Trânsito foi feito para ser aplicado.
Poderia acrescentar ao texto uma relação enorme de cabistas que morreram ou se acidentaram de moto por uma das causas já citadas. Isso só abriria feridas, não resolve o problema, o que passou passou, a vida segue. Mas por que continuamos a cometer os mesmos erros? Quando vamos dar algum valor à vida? Quando seremos responsáveis? Quando cada um dos nossos jovens que andam de moto possuírem alguma sequela? Quando cada família puder computar a sua baixa? É esse o exemplo que deixaremos, junto a tantos outros maus exemplos, para a nova geração? Que tal cada um dos agentes responsáveis fazer bem feita a sua parte? Os governantes, a polícia, a guarda municipal, o cidadão, os conselheiros tutelares, os conselheiros municipais de segurança e, principalmente, os pai, a meu ver, os maiores (i)responsáveis.
Continuo a andar de moto, uma bem menor, sem glamour, mas igualmente mortífera. A responsabilidade me foi imposta, aprendi e hoje pratico a pilotagem segura, responsável. Posso até sofrer acidentes, não estou livre deles, mas a cena que eu não quero nunca mais assistir é a de alguma cabeça, de algum amigo, espocando embaixo de algum caminhão, os miolos espirrados na minha viseira. Não aguento ver isso mais uma vez.