quarta-feira, 5 de maio de 2010

Morreu tarde


Na tua morte
Sequer houve luto
Deram-lhe um caixão fajuto
Sequer ouvi choro da consorte.

Nos teus tempos áureos
Com saúde e muito dinheiro
Havia amigos vários
Hoje são como agulha em palheiro

Quanto sacrifício para esta gente
Que a contragosto
Sob um sol quente
Conduzem o teu corpo insolente

Não atenderam o teu último desejo
Que o teu corpo fosse doado
Pelos vermes não querias ser comido
Também não deixou grana para ser cremado.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O alérgico


_ Gripou, não? – observou o senhor sentado à mesa em frente, após eu espirrar duas vezes seguidas.
_ É só uma reação alérgica. Provavelmente ao ar-condicionado. Vou mudar de lugar. – respondi.
Mudei de lugar e continuei a espirrar.
_ Tome, esse remédio é batata. Nunca fico resfriado. – receitou.
_ Não, obrigado, não faço automedicação. Como falei, é uma alergia boba, convivo com ela há anos. Já, já passa. – insisti.
O senhor pediu um copo de água mineral ao garçom, aproximou-se da mesa, tirou o comprimido da cartela e me deu. Aliás, empurrou minha goela abaixo, quase me engasgando. Tomei dois goles d`água para ajudar a descer e perguntei que droga era aquela que eu havia tomado.
- Não esquenta. Viu, parou... não está tossindo mais. Falei, é ba-ta-ta.
- Que remédio é esse!?- insisti, perdendo a paciência.
- Loratadina. Coisa boa. – respondeu na maior calma.
_ Boa, boa. É boa pra sua avó. Não posso tomar loratadina, me causa todos os efeitos colaterais da bula: tosse, congestão nasal, distúrbios na micção, dor na coluna, cãibras, mal- estar. Você me ferrou. – vociferei.
O efeito foi imediato. Menos de um minuto estava sentindo tonteiras.
- Caramba, a sua pela está avermelhada! – observou o outro – A minha sogra tem o mesmo problema. Veja, sorte sua, passei na farmácia hoje cedo e comprei o remédio dela. Vai, passe um pouco nos braços. – sugeriu, solicito.
- Também sou alérgico a corticóides. – expliquei, depois de ver a embalagem. Sabe de uma coisa: vou acabar chamando a polícia se você me receitar mais um desses seus remédios. Tentativa de homicídio e exercício ilegal da profissão. – esbravejei.
- Como assim ilegal? Sou médico, olhe a minha carteira.
- E era mesmo. Psiquiatra, mas médico.