segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A farmácia


Estava preocupadíssimo com a relação de exames e de remédios que o psiquiatra lhe prescrevera. Sentiu que o mesmo mentira, o caso devia ser muito, mas muito grave. Com as receitas na mão, entrou na farmácia do bairro, entregou-a à balconista e ficou a passar os olhos na sessão de cosméticos. Chegou a pensar que certa mesmo estava Ana, sua mulher, que gastava uma fortuna em cremes e loções mas não ia precisar, pelo menos agora, gastar com remédios, que nem sabe se curariam. Foi despertado pelo "pronto, senhor" da atendente, que lhe entregou uma cestinha com a maioria dos medicamentos, exceto um. Achou estranho, pois parecia ser o mais comum. Perguntou pelo dono da farmácia, colega de muitos anos, e obteve como resposta que o mesmo havia viajado. Achou mais estranho ainda, Ângelo não viajava nunca. Quis, então, saber há quanto tempo a funcionária trabalhava ali, pois nunca a vira antes. A moça, assustada, abandonou o balcão e entrou correndo na sala de curativos e injeções. Ele olhou para a caixa e viu nela outra pessoa estranha, e esta também abandona o posto e corre para o escritório. Sem saber o que fazer, foi atrás da funcionária. A porta estava semi-aberta, com três leves toques com os nós dos dedos, chamou pelo amigo. Como ninguém atendesse, empurrou a porta e entrou devagar. O ambiente cheirava a enxofre e pólvora. A um canto, manipulando pipetas e cadinhos, estava uma pessoa de porte avantajado e de costas, parecia não ter notado a sua presença...
Bom amigos, vão pro cacete, essa história está me dando medo, não ferra, tô fora, sintam-se à vontade para terminá-la, é isso.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A viagem


Nem foi preciso o ônibus sair da rodoviária. Mal sentou-se na poltrona, adormeceu, vencido pelo cansaço do plantão do dia anterior. A viagem fazia parte da sua rotina. Toda segunda-feira às 6h40 pegava o ônibus em Arraial do Cabo e descia em Itaboraí, onde morava. Por medida de segurança, nunca trabalhava na própria cidade, achava muito arriscado ser reconhecido. Como sempre, a viagem trancorria normal, exceto pela vontade repentina de ir ao banheiro. Efeito do diurético que tomara ainda na delegacia. A pressão arterial andava meio alterada, mas nada preocupante, segundo o médico.
Levantou-se da poltrona e caminhou pelo corredor até ao banheiro. Como não estava habituado àquele tipo de sanitário, demorou a se localizar no interior do cubículo, para piorar, o ônibus sacolejava muito, mas mesmo assim conseguiu aliviar a bexiga. Deu descarga, lavou as mãos e saiu. Qual não foi o seu espanto ao perceber que não saíra do sanitário do ônibus, mas sim de um localizado no trevo da Rio-Manilha.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Ratos



Acordou na madrugada com um suposto barulho no escritório. Levantou, pé ante pé, pegou a lanterna na gaveta e foi, cheio de coragem, verificar in loco. “Um rato, era tudo o que me faltava”, pensou. Não, não era rato, era somente o inofensivo mouse do computador, que de aparência com o rato só o fato de ter um rabinho e o formato, mas o equipamento estava imóvel, não dava mesmo pra confundir. Não dava na sua cabeça, na minha, pois pra o Fabinho, o mouse estava correndo sobre a mesa, e não era mais um mouse, era um rato. Resolveu que o camundongo não tiraria o seu sono. Ufa, melhor assim. Trancou a porta por fora e voltou a deitar e pegou no sono rapidamente.
Dia seguinte, bem cedo, foi ao mercado e comprou veneno para ratos e uma ratoeira, queria se garantir. À noite, delicadamente, espalhou o produto pelos cantos do escritório e deixou alguns grãos sobre a mesa do computador. Certamente pegaria o animal, que, aliás, não lhe causara nenhum dano até o momento, pois nem o sono lhe tirara.
Acordou bem disposto pela manhã e antes de qualquer outra atividade rotineira, como ir ao banheiro e em seguida tomar o café e ler os jornais, foi direto ao escritório. Abriu lentamente a porta do escritório e entrou sem fazer barulho, como alguém que está prestes a dar um flagrante. Meio desapontado, verificou que os grão do veneno espalhados pelos cantos não haviam sido tocados, estavam intactos, do mesmo jeito que deixara à noite. Restava verificar a ratoeira, deixada providencialmente no banheiro. Vai que o bicho tenha ficado preso na armadilha, certamente teria sangue, e ele não estava disposto a manchar o carpete do escritório. A porta do banheiro estava semi-aberta, sem movimentá-la, Fabinho colocou a metade do corpo no ambiente e passou a perscrutá-lo. Não demorou muito para verificar que havia algo preso à ratoeira. Nojento que só, fechou a porta do banheiro, em seguida a do escritório e foi tomar o café normalmente. Aquilo era serviço para a empregada, só não pediria para ser feito naquele momento, deixaria para depois do café, quem sabe, ligaria da empresa. E foi o que fez.
“Como assim, comprar outro mouse, dona Luiza?”

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Flor



Querida Flor
Depois que a conheci passei a tomar remédios controlados
Um deles somente para controlar a dor
Um outro me faz sentir acompanhado
Lembra que me sentia como um cão abandonado?
Culpa sua Flor, toda sua
Desse seu desamor, desse seu desapego,
Desse seu falso aconchego,
Desse seu afastamento
Achei que a sua visita, Flor, me reergueria
Já me sentia seguro de mim
Que nada Flor, você só não me visitou,
Como tive recaída
E aqui estou
Agora me prostraram num leito
E me ligaram a um frasco
Flor, Flor, sou mesmo um fiasco
Se sair dessa nunca mais lhe procuro
Chega de andar no escuro
Estarei mais seguro sem ti,
Mas é bem verdade
Que sentirei saudade.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Aguarrás


O poeta encara a plateia e diz:
Este é da minha nova safra
O público espera que ele venha com algum Grange
taças da Bohêmia e sacarrolha a gás
E o que ele traz?
Vinagre, arremedo de vinho, aguarrás
Vez ou outra, alivia, oferece uma cachaça
Envelhecida em algum quintal das gerais.
Não, nunca falo de amor
Nem quando falo de amor
Não tenho o menor traquejo
Nunca senti esse desejo
Nem sou cantor sertanejo
Os meus versos têm fator Rh
Embora não pareçam
Mas já responderam a processos
Mas como a luta com palavras é vã
Sequer espero o amanhã
Tudo que tenho a dizer é nada
Diante de tudo o que já foi dito antes e por mim
Não me cobrem nenhum sacrifício
Não faz parte do meu ofício
Falei que a passagem ia aumentar
Mas falei isso muito antes
Agora é muito tarde, comprei o meu automóvel
Este é da minha última safra
Mas não bebo mais
Querendo, lhe empresto,
Mas aviso antes: não serve para beber,
Só serve para quebrar.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Boletim de excrescência


Nesse momento me deu vontade de fazer poemas
Junto a essa vontade uma dor no que me resta de consciência
Ainda não escrevi nenhum verso e um brasileirinho morreu no parto
Outro morreu de assalto
Dezenas, no asfalto
Uma adolescente acaba de ser violentada
Não era prostituta infantil,
Foi violentada em casa, pelo padrasto.
É isso, essa minha pátria mãe é na verdade madrasta
E há muito que se distraiu
E nós, seus filhos, estamos indo para a puta que pariu
E eu aqui, fazendo versos
No alto da minha arrogância
Tomando cerveja gelada, me exibindo para amigos
Nada faço
Sequer me apiedo do pedinte
Que um trocado me pede
Enquanto ele estende apenas uma das mãos
Eu levanto as duas e digo NÃO!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O Amor


Nada de liquidação
Ou passagem aérea em promoção
Esqueça Paris, Nova York, Roma, Milão
O bom é o boom do amor
Não é só o sexo
Fácil como rimar com nexo
But the pure love
Do fundo do coração, ou do fígado,
Rins, músculos, pulmão,
O amor de um simples amplexo
Sem nenhum complexo,
De raça, credo, cor
Nem mesmo de sexo
Assim deve ser o amor

Faça amor com o cérebro,
Com a língua, com todos os dedos
Com as mãos
Seja um Edison, Marconi, Santos Dumont
Dê asas a sua imaginação
Se preciso for, tome um red bull,
Cachaça, vinho, cerveja,
Rum, vodka, caipirinha com limão,
Isso, tenha sede,
Tenha fome, cultive, colha,
Mas nunca use gelo no amor
Pode congelar o coração


O amor está aberto a inovações
O amor até aceita adaptações
Já navega na grande rede
Faça dowload, upgrade,
Faça até mesmo amor virtual
Pode ser tão gostoso quanto o, digamos, real



O amor não tem limite
O amor se permite
Vai lá, é melhor que uva sem caroço,
Que sorvete com calda, escada rolante,
O amor é um traço,
Um traço marcante,
Pode ser só um abraço,
Longo, curto, apertado,
O amor está num sorriso perfeito
E até mesmo num acanhado
Afinal, não é preciso ser poeta
Nem ter algum estudo
Para saber que o amor é tudo.