quarta-feira, 30 de junho de 2010


Aqui tem muito ladrão
roubaram as rimas ricas
sei que isso não justifica
a falta de inspiração.

Madá

Conheceu Madalena pela Internet numa quinta,
Dois domingos depois estavam na Casa e Vídeo
Comprando um edredon pra casal
Madalena já chegou grávida
Um pouco diferente da foto
Muito diferente de tudo o mais
“Maldito Carlão, falou que isso não ia dar certo.”
“Mas vai dar, ora se vai.”
Madalena enjoada
Muito enjoada
Chega a ser chata
Só toma banho pelando de quente
Só faz sexo com a luz apagada
Mas só dorme com a luz do banheiro acesa
O bife tem que estar bem passado
Bebe café descafeinado
Brigou com a sogra
Não quer gatos
Não gosta do cachorro
Ora sente muito frio,
Ora muito calor.
Reza a toda ora
Ora de hora em hora
Tirou a tevê da sala
Tanto pediu que a mãe acabou vindo do sul
Pronto
João havia se apaixonado mesmo era pela mãe de Madalena
Que não estava grávida
Que não era diferente
Que não era enjoada
Que se deu bem com a sua mãe
Adora cães, gatos e trouxe um papagaio
Que fala “João”
Dorme com as luzes apagadas
Faz sexo com as luzes acesas
Não liga pra tevê
Nem liga pra nada
Um táxi deixou Madalena e malas no aeroporto
Vai ter o bebê em sua cidade natal, talvez fique por lá.
Melhor para o bebê, melhor pra todo mundo.

Insegurança


Confesso que já me senti mais seguro
Mas isso já faz algum tempo
Muito antes do muro
Não o Muro de Berlim,
Mas muito antes, sim
Sequer havia favelas por aqui
Ou invasão
Muito menos, ladrão
A Polícia era o cabo Jorge, o soldado Faqueco
E o doutor Claudio
Que descobrimos, muito depois, que também era soldado
Quanta pureza havia na nossa alma
Quanta beleza, que vida calma
Não havia batalhão
Nem delegacia legal
Pois o legal era o cidadão
Éramos todos amigos
Podia até haver alguma intriga
Nada que duas Igrejas não resolvessem
Mas nada de assalto
Nada de assassinato
Sequer havia corrupção
Se havia era mais velada
Não tanto às escancaras
E tão conhecidas caras
Confesso que já me senti mais seguro
Mas agora ando mesmo em cima do muro
Com cacos de vidro e arame farpado
Grades nas janelas, trancas nas portas,
Câmeras pra todo lado
Aqui pra nós: ando até armado
Mas não ando de madrugada,
Nem ando sozinho,
E respeito os bandidos da cidade
Nem sou louco de denunciá-los
Tenho mesmo medo de morrer
Confesso que já me senti mais seguro
Mas isso já faz algum tempo
E quanto mais tempo, menos seguro
E quanto menos seguro,
Menos tempo
Menos tempo com os amigos,
Com a família,
Menos tempo comigo mesmo
Confesso que gostaria de andar só
Mas ando com o Medo.

domingo, 27 de junho de 2010

A/ jus/ti/ça/ não é/só / len/ta
ain/da an/da/ de/ ca/rru/a/gem
é/ mui/to/ da / pa/cho/rren/ta
não é/jus/ti/ça, é/ sa/ca/na/gem

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Incerteza


Vai que dá certo
Não tentou
Vai que cola
Não falou
Vai que vai
Não foi
Vai que é sua
Não era
Vai que vou
Não foi
Não fui.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Grafite carmim


A poesia não veio, é?
Abra a gaveta
Lamba um desses selos empoeirados
Guardados até quando
Se depois disso ela não vier
Corte os pulsos
Traspasse o coração com uma lapiseira de marca
Veja o próprio sangue escorrer na ponta do grafite
Mas antes deixe algum recado
Quem sabe, vem um outro e transforma esse seu recado em poesia, idiota
Vai, desloque a vírgula, se isso te dá prazer idiota.
Enquanto você não se define, se definha
Mas... não tem jeito mesmo.

terça-feira, 8 de junho de 2010

A Ivan Modesto

Ivan, Ivan Modesto
Que loucura de protesto
Que a vida é uma droga
Isso é mais que notório
Mas vida, meu caro, se prorroga
Agora vamos nós para o teu velório
Ivan, Ivan Modesto
Tu não sabes o quanto detesto
Caixão, vela, defunto
Coveiro, exéquias, cidade do pé-junto
Ivan, Ivan Modesto
Nem para homenagear presto
Queria dizer-te que tu eras um cara bacana
Mas como, se para ti mesmo fostes sacana
Ivan, Ivan Modesto
A vida é mesmo uma bosta
Isto é manifesto
Cada dia é uma nova aposta
Assim como num jogo
É preciso saber perder
Sei que é fogo
Mas do teu jeito, como vencer?

terça-feira, 1 de junho de 2010

Cabo Sarmento, o vingador.



O sargento Teodósio nem se apresentara ainda ao quartel e sua fama de mau se espalhara na tropa. O encarregado de fazer o marketing negativo foi o cabo Sarmento, que, segundo o próprio, servira com o sargento no Rio de Janeiro. Aliás, corria nos bastidores que o sargento Teodósio fora o responsável pela transferência do Sarmento, a contragosto, claro, porque o Sarmento estava bem instalado no Rio. Agora vinha ele, certamente para transferir o Sarmento para uma fronteira. O Sarmento saiu de férias, depois pediria licença especial, não queria ver a cara do desafeto. E o Teodósio se apresentou. Cara de mau.
Teodósio era mesmo muito mau. Menos graduado que ele, não havia conversa: atropelava. Exigia continência até de outro sargento mais moderno. Quando a tropa saia para fazer algum tipo de exercício, o Teodósio não ia. Diziam que era peixinho do comando. Mas, segundo o Sarmento, o problema era outro. E mostrou uma foto. “Que que isso!?” exclamaram todos. Era a mulher do Teodósio. Um mulherão. E o sargento tinha medo de ser corneado. Não era pra menos. E foi aí que a língua ferina do cabo mais uma vez entrou em jogo. Ele, o cabo Sarmento, espalhou que já fora amante da Sonja. Por isso, o Teodósio o odiava e o transferira para Manaus. “Estou fazendo o meu requerimento para sair de seis meses”, disse o Sarmento. “Quando eu voltar, se esse sujeito estiver aqui ainda, peço a minha baixa”, emendou. E lá foi o Sarmento em direção à ala administrativa, ao departamento de pessoal. Meia hora depois volta ele, desanimado, cabisbaixo. Não poderia sair de licença, o quartel estava com deficiência de pessoal. Lamentou-se e, falando baixo, como se quisesse que poucos o ouvissem, murmurou: “Vou procurar Sonja e encher esse calhorda de chifres”. Nesse dia o sargento estava de serviço. Dia seguinte, o Sarmento volta todo sorridente. Dissimulado, não revela como fora a noite, mas todos imaginavam. Junto com as felicitações vieram os pedidos de cuidado, pois a soldadesca que ficara no quartel sentiu de perto a raiva do Teodósio. Não viam a hora de ele abandonar o posto e ir em casa, de surpresa.
Como numa freada, a vida no quartel se ajeitou. Teodósio de serviço, alegria do Sarmento e da tropa. Estava ousado, trazia até fotos da Sonja pelada, como para provar o feito. Até que um dia, o cabo chegou para os colegas e abriu o jogo:
_Rapaziada, a Sonja levou todo o meu dinheiro. Já vendi o carro para o marido dela a preço de banana, revelou.
_Como assim!? perguntaram, incrédulos.
_Não revelei pra vocês, mas a Sonja me cobra pelos programas, e não é pouco, aliás, ela cobra de todo mundo. Se algum de vocês quiser, eu levo até ela, desabafou.
_Caro quanto, quiseram saber os amigos.
_Já devo mais de vinte mil reais, revelou. E vou parar com isso. O cara sempre descobre, numa dessas eu acabo morrendo e bau-bau, adeus Sarmento, o vingador.
_Mas você não pode fazer isso com a gente, imploraram.
E faria, caso os amigos não tivessem construído uma vaquinha para levantar quarenta mil reais para o cabo quitar a dívida e ficar com uma sobrinha para recomprar o carro, além de uma “ajuda motel”. Mas valia a pena, porque o Sarmento prometera fotos fazendo sexo, sem revelar o rosto, lógico. Ele usaria uma máscara, e mostrou ali a máscara, e todos saberiam que era ele, Sarmento, o vingador da tropa.
E foi assim que começaram a surgir algumas fotos da Sonja fazendo sexo com um sujeito mascarado. A tropa se sentia vingada dos castigos impostos pelo sargento. O Sarmento comprou um carro novo e caro, e mostrou uma foto com a Sonja ao lado, no banco do carona, mas essa ele não deixou cópia com ninguém. Dizia que até ali todos eram amigos, mas no futuro as fotos podiam ser usadas contra ele. Os soldados entenderam.
E a vida prosseguia, tranqüila. Tranquila até o dia em que um soldado que trabalha na lavanderia encontra num dos bolsos do uniforme do cabo uma foto da Sonja com uma dedicatória no verso: “Aos meus dois amores, meu marido Teodósio e meu irmão Sarmento, assinado: Sonja.