terça-feira, 8 de novembro de 2011

Piada de Lot (001)




Encontrei com Lot pela manhã, na padaria de Andinho, e perguntei-lhe como estava. "Vidal, meio barro, meio tijolo". Mostrei-lhe algumas poesias e começamos a discutir sobre períodos literários. Ele disse que gostava mais do Modernismo, em especial de Drummond. Eu lhe disse que gostava de Gregório, poeta do Barroco. Caí, então, na besteira de perguntar-lhe a respeito dos versos onde eu escancaradamente imitava o poeta baiano: "Vidal, a sua poesia tá igual a mim: meio barroca meio tijoloca".

domingo, 29 de maio de 2011

Where are you from?


Uma vez na Inglaterra, não deixaria passar a oportunidade de me arriscar num Inglês solo. Afinal, teria que valer para alguma coisa as minhas aulas há uma semana antes de viajar. Era obrigação me virar pelo menos no básico. Mas o problema é que eu não sabia qual era o básico em Londres, só sabia o básico no Brasil. Ninguém perguntaria o meu nome, nem diria “nice to meet you, too”, até então a única reposta que eu daria sem vacilar. Mas como aquela gente toda nunca mais me veria, por que dentro de uma semana já estaria de volta ao Brasil, resolvi sair do hotel com o mapa e a tradutora no bolso. Eu sabia o mais importante: o endereço do hotel e que a poucos metros estava o Hyde Park, para onde eu desejava ir. Eu já estava na Park Street, caminhei uns 50 metros e parei em frente a um loja de antiguidades e perguntei a um senhor que estava na porta, como eu chegaria ao Hyder Park. O homem mandou-me dobrar à direita e seguir em frente, direto. Agradeci no meu Inglês e segui o caminho. Uns dez metros depois olhei para trás, para ver se o senhor me seguia com os olhos. Ele havia entrado. Dei um sorriso, e um grito ecoou dentro de mim: eu havia entendido perfeitamente a informação dada em inglês, sem pedir para repetir ou falar mais devagar, e ele havia entendido a minha pergunta de primeira. Queria provar da experiência novamente. Só não podia me arriscar a ficar distante do parque, sequer perguntaria por ele, pois estava logo à minha frente. Abri o mapa e verifiquei que a rua paralela a que eu estava se chamava Wood´s Mews. Na minha direção estava vindo uma senhora com um York Shire preso à corrente. Ela mandou que eu dobrasse a esquerda na Duraven Street, a Wood´s Mews fazia esquina com ela. A impressão que eu tinha é que aprenderia o idioma naquele quarteirão. Estava me sentindo muito confiante, ia sair perguntando, e, quem sabe, arriscar uma conversa. Ouvi dizer que o inglês adora falar sobre o tempo, principalmente quando não está chovendo. E assim eu fiz. Já ia andar o quarteirão pela terceira vez quando a polícia me parou. Alguns moradores haviam me denunciado. Também, o que eu queria, só pela embaixada brasileira na Green St, eu passara umas três vezes. Mas o melhor disso tudo foi que o básico do básico me foi exigido pelo policial. A primeira coisa que ele me perguntou foi de onde eu era, em seguida o meu nome. No final ganhei uma companhia até ao Hyde Park e mais algumas lições grátis.

domingo, 17 de abril de 2011

No Brasil, todo dia é dia de chacina





No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade
Poema Brasileiro, Ferreira Gullar

Seja honesto, caro leitor, e me diga se por acaso ainda lembra das chacinas ocorridas numa quinta-feira à noite nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense. Foram mais de 30 mortos. Aconteceu em 2005. Não lembra? Eu também não lembrava, quem avivou a minha mente foi o Google. Das chacinas, lembro vagamente de Vigário Geral, Candelária, Carandiru e Presídio São José, em Belém do Pará, Ah, tem a de Eldorado dos Carajás, também no Pará, estado que amo tanto ou mais que o Rio de Janeiro. Em termos de chacinas, acho que o Pará é disparado o campeão brasileiro. Lá, terras são disputadas à bala. Como a Reforma Agrária anda a passos de tracajá, quelônio da Região Norte, muitas mortes acontecerão ainda.
Assim como havia, ainda no Brasil colônia, as Entradas e as Bandeiras – assassinos travestidos de desbravadores -, a primeira estatal, bancada pelo governo português, e a segunda privada, nós temos ainda hoje as chacinas públicas, cometidas pelo ou com a participação do Estado, seja por ação ou omissão, e as chacinas particulares. São estatais as chacinas cometidas nos hospitais públicos, nas filas do INSS e aquelas praticadas por policiais, em serviço ou não; são privadas as chacinas perpetradas por fazendeiros e bandidos de todos os tipos e gêneros, excetuando-se os policiais, pois funcionários públicos. Há, ainda, as chacinas com dupla participação: os motins em delegacias e presídios e a matança dos nossos índios, por fazendeiros ou filhinhos de papai da capital do país. É obrigação do Estado manter a segurança do seus presos, já a responsabilidade pela segurança dos indígenas é obrigação da FUNAI. Em termos de homicídios, o Brasil certamente ocupa lugar privilegiado. Alguém acha que não seja assassinato a morte de bebês por falta de clínicas neonatais? Os abortos realizados por mães adolescentes? E a constatação de que no Piauí de cada dez crianças nem sete completam os dez anos de idade? Culpa de quem? Do Estado, lógico.
Pior que o nosso gigante adormecido só o famigerado Afeganistão, onde somente duas de cada dez crianças completam os cinco anos de idade. Mas a economia afegã ocupa apenas a 110ª colocação. O país, que sempre sofreu invasões ao longo de sua existência, passou por três sangrentas revoluções nas três últimas décadas, não tem saída para o mar, há poucas terras cultiváveis, possui uma inflação de mais de 20%, tem uma população com maioria analfabeta, enfim, só está sobrevivendo graças à ajuda internacional, o que não é o caso do Brasil. Mesmo assim, no Afeganistão ocorrem menos chacinas que aqui.
Em pouco tempo varreremos Realengo das nossas mentes. A essa tragédia está reservado o mesmo lugar das outras: o limbo da nossa memória. É bom que a esqueçamos mesmo, remoer casos como este nos faz muito mal, sem contar que não podemos tirar quase nenhuma lição do que aconteceu naquela escola, a não ser que devemos nos tratar melhor, amar mais, porque o tempo também está no cano de uma arma, na cabeça de um insano. O louco que matou aquelas crianças era considerado um sujeito inofensivo. Como ex-aluno, entraria mesmo na escola. Pensar em detector de metais e seguranças revistando bolsas é inviável, como já declarou uma autoridade no assunto. O que não podemos fazer é banalizar nenhuma morte, seja ela de crianças, trabalhadores, sem terra, sem teto, índios, presidiários, e até mesmo bandidos. A figura do carrasco tem que continuar na Idade Média. A policia inglesa foi questionada justamente quando matou, sendo assim, policia boa não é a que mata e sim a que prende. O que mais fazemos nesse país é banalizar as chacinas e os escândalos de toda espécie.
Combinei com o editor que enviaria o texto na segunda-feira, 18, por e-mail, depois que eu lesse os jornais da capital, assim eu ganharia tempo e material para provar a minha teoria, mas não foi preciso esperar tanto. Em Macaé, nossa vizinha rica, a apenas 94 Km, policiais do 32º Batalhão da Polícia Militar, na sexta-feira, mataram quatro jovens com idade de dezoito anos. Acho que vou mudar o título do meu artigo para “Todo dia é dia de chacina no Estado do Rio”.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Amor nos tempos de chuva




Com essa chuva fina
Que cai nesse momento
Vamos, minha menina,
Acaso existe melhor argumento?

No meu quarto tem edredon
Já aluguei um DVD
Lá é tudo de bom
Estás esperando o quê?

A chuva vai passar
E com ela a minha vontade
Aí não adianta reclamar
Será um pouco tarde.

Ah, estás esperando pelo pagamento
Tu és muito da interesseira
Quero dizer que lamento
Estava apenas de brincadeira.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A farmácia


Estava preocupadíssimo com a relação de exames e de remédios que o psiquiatra lhe prescrevera. Sentiu que o mesmo mentira, o caso devia ser muito, mas muito grave. Com as receitas na mão, entrou na farmácia do bairro, entregou-a à balconista e ficou a passar os olhos na sessão de cosméticos. Chegou a pensar que certa mesmo estava Ana, sua mulher, que gastava uma fortuna em cremes e loções mas não ia precisar, pelo menos agora, gastar com remédios, que nem sabe se curariam. Foi despertado pelo "pronto, senhor" da atendente, que lhe entregou uma cestinha com a maioria dos medicamentos, exceto um. Achou estranho, pois parecia ser o mais comum. Perguntou pelo dono da farmácia, colega de muitos anos, e obteve como resposta que o mesmo havia viajado. Achou mais estranho ainda, Ângelo não viajava nunca. Quis, então, saber há quanto tempo a funcionária trabalhava ali, pois nunca a vira antes. A moça, assustada, abandonou o balcão e entrou correndo na sala de curativos e injeções. Ele olhou para a caixa e viu nela outra pessoa estranha, e esta também abandona o posto e corre para o escritório. Sem saber o que fazer, foi atrás da funcionária. A porta estava semi-aberta, com três leves toques com os nós dos dedos, chamou pelo amigo. Como ninguém atendesse, empurrou a porta e entrou devagar. O ambiente cheirava a enxofre e pólvora. A um canto, manipulando pipetas e cadinhos, estava uma pessoa de porte avantajado e de costas, parecia não ter notado a sua presença...
Bom amigos, vão pro cacete, essa história está me dando medo, não ferra, tô fora, sintam-se à vontade para terminá-la, é isso.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A viagem


Nem foi preciso o ônibus sair da rodoviária. Mal sentou-se na poltrona, adormeceu, vencido pelo cansaço do plantão do dia anterior. A viagem fazia parte da sua rotina. Toda segunda-feira às 6h40 pegava o ônibus em Arraial do Cabo e descia em Itaboraí, onde morava. Por medida de segurança, nunca trabalhava na própria cidade, achava muito arriscado ser reconhecido. Como sempre, a viagem trancorria normal, exceto pela vontade repentina de ir ao banheiro. Efeito do diurético que tomara ainda na delegacia. A pressão arterial andava meio alterada, mas nada preocupante, segundo o médico.
Levantou-se da poltrona e caminhou pelo corredor até ao banheiro. Como não estava habituado àquele tipo de sanitário, demorou a se localizar no interior do cubículo, para piorar, o ônibus sacolejava muito, mas mesmo assim conseguiu aliviar a bexiga. Deu descarga, lavou as mãos e saiu. Qual não foi o seu espanto ao perceber que não saíra do sanitário do ônibus, mas sim de um localizado no trevo da Rio-Manilha.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Ratos



Acordou na madrugada com um suposto barulho no escritório. Levantou, pé ante pé, pegou a lanterna na gaveta e foi, cheio de coragem, verificar in loco. “Um rato, era tudo o que me faltava”, pensou. Não, não era rato, era somente o inofensivo mouse do computador, que de aparência com o rato só o fato de ter um rabinho e o formato, mas o equipamento estava imóvel, não dava mesmo pra confundir. Não dava na sua cabeça, na minha, pois pra o Fabinho, o mouse estava correndo sobre a mesa, e não era mais um mouse, era um rato. Resolveu que o camundongo não tiraria o seu sono. Ufa, melhor assim. Trancou a porta por fora e voltou a deitar e pegou no sono rapidamente.
Dia seguinte, bem cedo, foi ao mercado e comprou veneno para ratos e uma ratoeira, queria se garantir. À noite, delicadamente, espalhou o produto pelos cantos do escritório e deixou alguns grãos sobre a mesa do computador. Certamente pegaria o animal, que, aliás, não lhe causara nenhum dano até o momento, pois nem o sono lhe tirara.
Acordou bem disposto pela manhã e antes de qualquer outra atividade rotineira, como ir ao banheiro e em seguida tomar o café e ler os jornais, foi direto ao escritório. Abriu lentamente a porta do escritório e entrou sem fazer barulho, como alguém que está prestes a dar um flagrante. Meio desapontado, verificou que os grão do veneno espalhados pelos cantos não haviam sido tocados, estavam intactos, do mesmo jeito que deixara à noite. Restava verificar a ratoeira, deixada providencialmente no banheiro. Vai que o bicho tenha ficado preso na armadilha, certamente teria sangue, e ele não estava disposto a manchar o carpete do escritório. A porta do banheiro estava semi-aberta, sem movimentá-la, Fabinho colocou a metade do corpo no ambiente e passou a perscrutá-lo. Não demorou muito para verificar que havia algo preso à ratoeira. Nojento que só, fechou a porta do banheiro, em seguida a do escritório e foi tomar o café normalmente. Aquilo era serviço para a empregada, só não pediria para ser feito naquele momento, deixaria para depois do café, quem sabe, ligaria da empresa. E foi o que fez.
“Como assim, comprar outro mouse, dona Luiza?”

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Flor



Querida Flor
Depois que a conheci passei a tomar remédios controlados
Um deles somente para controlar a dor
Um outro me faz sentir acompanhado
Lembra que me sentia como um cão abandonado?
Culpa sua Flor, toda sua
Desse seu desamor, desse seu desapego,
Desse seu falso aconchego,
Desse seu afastamento
Achei que a sua visita, Flor, me reergueria
Já me sentia seguro de mim
Que nada Flor, você só não me visitou,
Como tive recaída
E aqui estou
Agora me prostraram num leito
E me ligaram a um frasco
Flor, Flor, sou mesmo um fiasco
Se sair dessa nunca mais lhe procuro
Chega de andar no escuro
Estarei mais seguro sem ti,
Mas é bem verdade
Que sentirei saudade.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Aguarrás


O poeta encara a plateia e diz:
Este é da minha nova safra
O público espera que ele venha com algum Grange
taças da Bohêmia e sacarrolha a gás
E o que ele traz?
Vinagre, arremedo de vinho, aguarrás
Vez ou outra, alivia, oferece uma cachaça
Envelhecida em algum quintal das gerais.
Não, nunca falo de amor
Nem quando falo de amor
Não tenho o menor traquejo
Nunca senti esse desejo
Nem sou cantor sertanejo
Os meus versos têm fator Rh
Embora não pareçam
Mas já responderam a processos
Mas como a luta com palavras é vã
Sequer espero o amanhã
Tudo que tenho a dizer é nada
Diante de tudo o que já foi dito antes e por mim
Não me cobrem nenhum sacrifício
Não faz parte do meu ofício
Falei que a passagem ia aumentar
Mas falei isso muito antes
Agora é muito tarde, comprei o meu automóvel
Este é da minha última safra
Mas não bebo mais
Querendo, lhe empresto,
Mas aviso antes: não serve para beber,
Só serve para quebrar.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Boletim de excrescência


Nesse momento me deu vontade de fazer poemas
Junto a essa vontade uma dor no que me resta de consciência
Ainda não escrevi nenhum verso e um brasileirinho morreu no parto
Outro morreu de assalto
Dezenas, no asfalto
Uma adolescente acaba de ser violentada
Não era prostituta infantil,
Foi violentada em casa, pelo padrasto.
É isso, essa minha pátria mãe é na verdade madrasta
E há muito que se distraiu
E nós, seus filhos, estamos indo para a puta que pariu
E eu aqui, fazendo versos
No alto da minha arrogância
Tomando cerveja gelada, me exibindo para amigos
Nada faço
Sequer me apiedo do pedinte
Que um trocado me pede
Enquanto ele estende apenas uma das mãos
Eu levanto as duas e digo NÃO!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O Amor


Nada de liquidação
Ou passagem aérea em promoção
Esqueça Paris, Nova York, Roma, Milão
O bom é o boom do amor
Não é só o sexo
Fácil como rimar com nexo
But the pure love
Do fundo do coração, ou do fígado,
Rins, músculos, pulmão,
O amor de um simples amplexo
Sem nenhum complexo,
De raça, credo, cor
Nem mesmo de sexo
Assim deve ser o amor

Faça amor com o cérebro,
Com a língua, com todos os dedos
Com as mãos
Seja um Edison, Marconi, Santos Dumont
Dê asas a sua imaginação
Se preciso for, tome um red bull,
Cachaça, vinho, cerveja,
Rum, vodka, caipirinha com limão,
Isso, tenha sede,
Tenha fome, cultive, colha,
Mas nunca use gelo no amor
Pode congelar o coração


O amor está aberto a inovações
O amor até aceita adaptações
Já navega na grande rede
Faça dowload, upgrade,
Faça até mesmo amor virtual
Pode ser tão gostoso quanto o, digamos, real



O amor não tem limite
O amor se permite
Vai lá, é melhor que uva sem caroço,
Que sorvete com calda, escada rolante,
O amor é um traço,
Um traço marcante,
Pode ser só um abraço,
Longo, curto, apertado,
O amor está num sorriso perfeito
E até mesmo num acanhado
Afinal, não é preciso ser poeta
Nem ter algum estudo
Para saber que o amor é tudo.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O edifício



O Manoel Pinto da Silva perdeu todo o encanto
Lá pras bandas das docas, noutro canto
Há edifício com visual mais panorâmico
O que faz com que o voo seja mais dinâmico.

Só há uma desvantagem
Que pode tornar monótona a viagem
No caminho nenhuma mangueira
Apenas algumas plantas rasteiras.

É um caso a pensar
Ainda deve haver no parque um bar
Um local para refletir
Quem sabe, até mesmo desistir.

Aqui embaixo dessa mangueira
Repassei uma vida inteira
Não vou deixar Belém daquela maneira
Faça de conta que tudo não passou de simples brincadeira.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

De ressaca em Búzios


Madame X saiu de Minas para passar o réveillon em Búzios. Encontrei-a desconsolada numa manhã do dia 1º na Praia de Geribá. Os olhos vermelhos não davam para identificar se era devido ao choro ou à erva maldita, muito comum no balneário. Você nem precisa fumar para ficar doidão. Acho que poderia ser creditado aos dois. O leitor mais apressadinho já deve estar imaginando que a mineira viera sozinha, que essa conversa de marido é furada. Também pensei, mas bastou conversar dois minutos com a mulher para ver que ela estava falando a verdade. Mostrou-me quatro passagens: duas de vinda e duas de ida. Mostrou-me ainda as certidões de casamento e de nascimento do único filho, que ficara em Minas estudando para prestar provas num concurso público. Então perguntei porque ela ainda não fora à policia registrar o desaparecimento do marido. Estava aproveitando aquele momento, o primeiro sóbrio depois das festas, que duraram três dias, para fazer a ocorrência. Policial nenhum acreditaria numa mulher embriagada. Reservou a parte da tarde para fazer isso. Bom, pela pressa imaginei que o casamento não andava lá muito bom, mas essa é uma seara que costumo não me meter, por maior que seja a abertura e a necessidade que o outro tem em desabafar. Nos meus vinte e poucos anos de profissão já vira de tudo, e não estava ali como psicólogo, estava ali porque me vi diante de uma pessoa desamparada. Claro, claro, a beleza da senhora X foi o que inicialmente chamou-me a atenção. Vocês devem imaginar que mineiro só é solidário no câncer, mas isso é coisa do Oto Lara Rezende. Até achei-a parecida com uma ex-namorada. Ofereci-me para acompanhá-la até a delegacia, caso ela achasse necessário. Achei até que ela concordou um pouco rápido. Ofereci-lhe um drink e disse que a partir daquele momento estaria à disposição dela. Ficamos ali, curando nossas ressacas, filtrando nossos sangues. Sim, eu também era casado, respondi-lhe. Mas a minha mulher, continuei, ao contrário do seu marido, ficara em Sete Lagoas. Eu estava em Búzios a trabalho, melhor, num congresso. Você deve conhecer a minha família, disse ela, ao mesmo tempo que procurava umas fotos na bolsa. Mexe, remexe, volta com uma foto 10 x 15. Essa é minha irmã, a minha sogra... Essa sou eu. E esse sou eu. Dinorá, o que você está fazendo aqui. Eu que te pergunto. Caímos na gargalhada e juramos nunca mais misturar um tal pozinho branco com vodca.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Um susto legal


Eu e Carlos fazíamos Medicina em Minas Gerais. Estudávamos em cidades diferentes, mas todos os anos voltávamos juntos para a nossa terra, no interior de Goiás. Eu era o único com carro e por isso passava na república onde ele morava e lhe dava carona. Num final de ano, acho que o último antes da nossa formatura, eu parei em frente a casa,uma construção do século XVIII, bati na porta, com uma daquelas argolas metálicas, muito comum antes da invenção da campainha, e aguardei alguns minutos. Depois repeti, e nada de ser atendido. Uma senhora, vizinha,dessas que tomam conta de todo o quarteirão, chegou a mim e disse que um carro do IML havia acabado de sair do local. Perguntei se acontecera alguma coisa com o meu colega, ela não soube responder. Peguei o endereço do IML e me dirigi pra lá às pressas. Uma vez no IML, perguntei ao recepcionista se algum corpo dera entrada ali na última hora, ele disse que sim; a seguir perguntei pelo nome, e a resposta fez-me tremer as pernas e gelar todo o corpo. Recompus-me e pedi para ver o cadáver. O recepcionista chamou outro funcionário e fui com este até ao salão das geladeiras. Senti o maior alívio do mundo quando vi que o corpo era de outro Carlos. Voltei para a portaria e perguntei se um estudante de medicina não havia chegado ali no carro do instituto. Ele disse que sim, acompanhava um dos professores da faculdade, que por sinal era o legista de plantão, mas saiu há poucos minutos para deixar o aluno em casa. Voltei correndo para a república e lá encontro o Carlos, malas arrumadas, olhando para o relógio. Dei-lhe o abraço mais gostoso do mundo e uma bronca, pois não me dissera que havia optado por Medicina Legal.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O congresso

A mulher, que participava de um congresso na Inglaterra, ligou pro marido dizendo que sairia de Londres no domingo, dia 19, às nove horas, e chegaria no Rio por volta das 20. Até eu achei estranho. Que milagre seria esse, já que o aeroporto de Heathrow estava fechado por conta da nevasca que caía sobre o Reino Unido desde sábado. “Bom, vai ver que vem num avião militar”, pensou o marido, já coçando o alto da cabeça. Vinte horas, conforme combinado, lá estava ele no Aeroporto Tom Jobim. No horário cravado, a mulher aparece na sala de desembarque. Ele não ouvira nenhum anúncio de voos vindos da Europa. Bom, aguardaria as explicações da mulher em casa, ali não era lugar pra isso. Em casa é que a surpresa foi maior: a mulher estava completamente bronzeada e não era artificial, com certeza. Achou que já estava passando o momento de pedir explicações, mas seria delicado como sempre, nada de ofensas. Perguntou, então, como fora o congresso. Ótimo. Aprendi muito com os ingleses, aquilo que é povo educado, são incapazes de pedir qualquer coisa sem usar antes o famoso “pris”. O marido, que já andava mais que desconfiado, corrigiu: “Não seria please? “Please, ‘pris’, pra mim é tudo a ‘merma’ coisa, disparou a mulher. “Como você se virou lá, com esse inglês vitoriano", ironizou o marido. “Você me conhece, sabe que viro, me reviro e dou reviravoltas muito bem. A propósito, antes que você me faça um montão de perguntas, que eu sei que a sua língua tá coçando, veja o presentinho que eu trouxe pra você, ingrato”. A mulher abriu a bolsa e passou às mãos do marido um pequeno embrulho com cerca de vinte centímetros. O marido abriu a embalagem com cuidado; dentro, um lindo estojo. Quando ele viu o conteúdo deu um grito que mais parecia a comemoração de um gol de final de campeonato. “Uma Montblanc John Lennon. Amor, eu não mereço, deve ter custado uma fortuna. Veja, que lindo esse braço de violão no corpo da caneta. Amei, não acredito no que estou vendo”. O sujeito encheu a mulher de beijos e afagos. Ele estava tão feliz que nem se importou com a embalagem da caneta, informando que fora comprada num shopping da África do Sul. Vai ver o avião fez escala em Johannesburgo, demorou muito o traslado e sobrou tempo até para pegar um bronze. Vocês pensam que voos só atrasam no Brasil?

domingo, 19 de dezembro de 2010

O brinco perdido


Um dos garçons chega à mesa ao lado da minha e discretamente pede ao senhor, acompanhado de uma linda dama, que o acompanhe até à gerência. Mal o homem sai, a mulher fala com alguém pelo celular. Cerca de 15 minutos depois, o homem aparece e senta-se no mesmo local. Esforça-se para parecer natural, mas não consegue. Sinaliza para a mulher que pretende deixar o lugar. O homem chama o garçom, pede a conta, paga, levanta e vão embora. Seleciono a câmera dois e vejo que o casal aguarda o manobrista numa das salas de espera. Coloco os fones nos ouvidos, em busca da melhor sintonia, e consigo captar a conversa. Mas antes, deixe-me apresentar: sou segurança e trabalho neste restaurante, o mais chique da cidade. Pareço um cliente normal, mas da minha mesa, com um iPad, tomo conta de todo o ambiente e da área externa. Mais pareço um executivo que um segurança. Feita a devida apresentação, voltemos:
_ Como você explica isso? Pergunta o homem, abrindo a mão direita e mostrando um brinco.
_ Eu falei pra você que havia perdido um dos brincos, respondeu a mulher.
_ Falou. Mas não que perdera aqui, na semana passada, quando jantou com alguém que, suponho, se parece muito comigo. Sabe o que o gerente falou pra mim, quando saí da sala dele? Que lembrava muito bem de mim, pois eu sento sempre na mesma mesa. Sabe o que mais? Que não tinha certeza sobre você, por isso ele me chamou lá dentro. Você poderia ser a outra. Que ironia: eu sou o outro.
_ Essa jóia pode ser falsa.
_ Falsa? Vou voltar com ela amanhã mesmo na H. Stern.
_Não, não é, infelizmente. É meu mesmo. Confesso tudo. Estive aqui com o seu primo, o Eduardo...
_... imaginei...
_ Eu usava uma peruca, não queria ser vista com ele. Mas ele me garantiu que não havia problema, que o assunto era muito urgente e preferia que fossemos vistos em lugar público. Eu não queria porque todo mundo sabe a fama dele e esse é o seu restaurante preferido.
_ O Eduardo é o maior garanhão. Já levei até porrada por causa dele. E ele só gosta de mulher casada. Não acredito que você aceitou conversar com aquele idiota longe de mim.
_ Calma. O Eduardo não é mais o mesmo. Ele me confessou que agora gosta de homens. Isso, o Eduardo virou gay. Segundo ele, sempre foi gay. A macheza era só uma cobertura, frágil, por sinal.
_ Conta outra, vai. O Eduardo gay, era o que faltava.
_ Ligue pra ele, então, se não acredita em mim. Falou, já chorando.
_ Vocês combinaram tudo. Se eu ligar, ele vai me atender desmunhecando, com voz em falsete.
_ Não, ele não faz esse tipo. Eu vou ligar pra ele, vou pedir pra ele vir aqui e contar tudo pra você.
O casal cancelou o pedido do carro e voltou para o salão do restaurante. Sentaram no mesmo local e pediram uma garrafa de vinho tinto. Cerca de vinte minutos depois, chega o tal Eduardo, acompanhado de um rapaz cerca de dez anos mais novo. Imediatamente pede desculpas ao casal por fazê-los passar por tudo aquilo, a seguir agradece imensamente à esposa do primo por fazê-lo sair do armário.
_ Vocês namoram a quanto tempo, perguntou de chofre o marido, olhando para os recém chegados.
_ Três meses, responderam em uníssono.
_ Treinaram antes de vir pra cá. Eduardo, você pode até fazer sexo com essa cara na minha frente, que eu não confio em você. Olhe, vou embora resolver esse assunto com a minha mulher em casa, aqui não pe lugar pra isso.
_Não vá, te imploro, primo. Veja o nosso vídeo, eu e o Carlos saímos de um motel agora, nós nos amamos de verdade.
_ Vá pra ... se não estivéssemos num restaurante eu ia acertar a sua cara. Eu lá quero ver essa nojeira, seu viado sem vergonha. Esqueça que é meu primo, nunca mais fale comigo. Vamos embora Clara, deixe esses dois aí. E nunca mais entro nesse restaurante. Vocês me causam asco.
O cara saiu furioso. Tinha toda a razão do mundo, mas deveria voltar quinze minutos depois, quando o Eduardo, já meio alto, diz para o amigo:
_ Cara, a mulher do meu primo vale qualquer sacrifício, que mulherão. Falta de sorte foi ela ter perdido a merda daquele brinco, que nem da H Stern é. Você foi demais, fico te devendo essa.
_ E se o cara quisesse ver o tal vídeo? Essa máquina só tem fotos da minha irmã. Você é mesmo louco.
_ Eu conheço o meu primo, sabia que ia me xingar e não ia querer ver nada. Ele detesta homossexuais. Deve ser um enrustido. O importante é que ele acreditou na nossa história. Não ia ter graça nenhuma a gostosona da mulher dele ficar solteira por aí. Só gosto de mulher casada, você sabe disso. Agora, cá pra nós, esse gerente daqui é uma besta quadrada, acabou de perder um grande cliente, e eu, que me pareço com o meu primo, não vou mais poder pendurar as minhas despesas no nome dele.
E eu, caro leitor, que sou PM e o que ganho não dá nem para almoçar aqui, faço bico como chefe de segurança desse belo restaurante. Estou pensando seriamente conferir para ver se a mulher do primo desse espertinho do Eduardo é tudo isso que ele fala. Depois arranco uma graninha de todo mundo. Argumento pra isso eu tenho, não tenho? Rsrsrsrsr.

domingo, 28 de novembro de 2010

Hora que melhora


Uma amiga postou o seguinte no Orkut: “Está na hora de orarmos pelo Rio e não de fazermos gracinhas sobre o assunto (violência) na Internet". Também acho, e o leitor, se houver algum, também deve achar. Mas orar e rezar deve ter sido as únicas coisas que foram feitas todos esses anos em que os traficantes dominaram a cidade e estenderam os seus tentáculos a todo o Estado, infernizando cidades do interior, mudando a rotina de municípios outrora pacatos.
Não sei exatamente o número de igrejas, evangélicas ou não, existentes no Complexo do Alemão, mas não deve ser pequeno, basta fazer uma rude regra de três e dar um certo desconto. Se em Arraial do Cabo, com trinta e cinco mil habitantes, temos mais de 50, a Comunidade do Alemão tem seguramente cinco vezes mais, quer dizer, umas 250 igrejas. Se ¼ dos moradores do Alemão tiverem algum credo, teremos aí mais religiosos que na nossa pequena Arraial.Os problemas daqui são infinitamente menores que os de lá, mas pelo que se vê, nem nós aqui, nem eles lá têm rezado muito nos últimos anos, ou se tem, tem sido de forma errada.
Aonde eu quero chegar com essas projeções? Além de irritar o provável leitor, a minha colega do Orkut e algum fanático religioso, caso leiam esse artigo, quero dizer que é improvável que reza e mandinga ajudem. Desculpe, amiga do Orkut, mas rezar orar, cantar mantras, acender velas, falar com os espíritos nada disso adianta nessa hora. Orar num conflito como esse dá no mesmo que tomar placebo contra o cãncer. Há ocasiões em que este funciona, mas isso é psicológico. Não resolve orar,efeitos psicológicos não desviam balas nem demove traficantes. Mas a oração não atrapalha, pode continuar orando, mas pergunte-se se não pode fazer nada mais que isso. Não se omitir, por exemplo. Lógico que não estou acusando-a de omissa, mas os seus colegas religiosos, de qualquer denominação, são bastante omissos. Alguns até ficam do lado contrário, como a Igreja Católica diante do Holocausto. Aliás, amiga, muita gente já matou e mata em nome de Deus. Tem muitos pastores tirando quase tudo de quem não tem quase nada. Alguns, descaradamente, possuem contas em paraísos fiscais. Mas isso é outra história.
Portanto, não devemos tirar graça dos fatos, deixemos isso para os Cassetas, mas não vamos apenas rezar, vamos fazer algo mais e esse algo mais começa com gestos bem menores que genuflectir os joelhos e gritar aleluias.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Nesses tempos de e-tudo, talvez seja a hora de e-relaxar


As atuais gerações, já batizadas de “e-geração” ou “geração net”, já vêm de “fábrica” com upgrade. Se acham melhores que os pais, melhores que os avós. Não é certamente a tal da evolução da espécie, explicada pelo inglês Charles Darwin. O que deveria ser o caminho natural, a evolução do ser humano, com o advento da tecnologia da informática, pode ser chamado, sem nenhum medo de errar, de involução no campo das relações interpessoais.
O que evoluiu, na verdade, foram as tecnologias, principalmente as de informática, que trouxe as outras a reboque. O ser humano, ao contrário, sofreu um processo de regressão. Parou de interagir com os seus semelhantes, acha-se auto-suficiente. Com o prestígio conquistado, somado ao dinheiro, ganho com alguma velocidade, as narinas apontam cada vez mais para o céu. Soberba é a palavra da vez para a atual geração. Intolerante, fica torcendo para que as gerações anteriores desapareçam do mapa. Para a e-geração é muito mais cômodo perder o tempo diante de várias máquinas – ela não se contenta mais com o velho PC – a ter que olhar o seu semelhante nos olhos, a ter que conversar.
Muito se tem discutido, pouco se tem feito. Na verdade, não há muito o que se fazer. Este sempre foi o caminho buscado pela raça humana. É a lei do menor esforço. Se podemos fazer quase tudo pela Internet: pagar, comprar, namorar, divertir, estudar, etc, por que devemos nos apresentar a alguém e perguntar pelo tempo? A sociabilidade é uma prática, quando deixamos de fazê-la, fatalmente esquecemos. E nisso a Internet tem sido a divisora de águas.
As gerações off-net não conseguem acompanhar este desenvolvimento. Saídas dos bancos escolares há algum tempo, veem-se desmotivadas a buscar o conhecimento. Por conseguinte, os diversos segmentos do governo nada fazem para inseri-las nesse universo. Até parece que o próprio governo também quer livrar-se dessa gente e-analfabeta.
As empresas, em especial bancos e aquelas voltadas para o e-comércio, é que deveriam investir nesse nicho, são eles os maiores interessados em adquirir novos clientes. Houvesse, por parte deles, uma pequena aplicação do enorme lucro obtido em instrução gratuita, com subsídios na compra de computadores, redução do preço do acesso à rede, dentre outras iniciativas, certamente todos sairiam lucrando.
Assim, uma vez que é inevitável brecar a e-volução dessa e das futuras gerações, resta apenas acompanhá-la para entendê-la, para falar a mesma língua. A língua em si é algo que sempre se inova. Talvez falando o mesmo dialeto deles diminua-se o fosso hoje existente. O mais é encarar com naturalidade.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Santa Catarina, rogai por mim



Marquei às nove horas na saída da universidade. Sou sempre pontual. Cheguei meia hora antes. Era o nosso primeiro encontro. Nos conhecemos pela Internet. Estacionei a picape com as duas rodas laterais sobre a calçada – a rua era estreita –, liguei o rádio para ouvir o jogo de futebol e aguardei Verônica, estudante de Filosofia, solteira, 24 anos, loura, olhos verdes, 1,70 de altura. Uau. Ah, catarinense, tinha que ser, rsrsrs, eu morava em Floripa nessa época.
Sabe aquela batida, tipo Código Morse: uma batida longa, seguida de duas breves e mais três longas? Assim: tan, tarantan, tan, tan. Isso. Até hoje não sei o motivo, mas sempre gostei dessa batida nada original, mais ainda agora, que a ouvia na minha janela. Bom, isso é o que menos importava, mas Verônica, não sei porque motivo, antecipou o nosso encontro, chegou meia hora antes, coisa raríssima se tratando de mulheres. Mas que ótimo que ela chegou.
Verônica!
Rui!
Vamos conversando no caminho?
Ótimo.
Liguei o carro e saí o mais rápido possível.
Interessante...
O quê?
... a cor do seu carro?
Azul
Sei, sei, mas você disse que era verde
Não, não disse que era verde
Bom, não será um detalhe tão simples que irá estragar o nosso primeiro encontro, não é mesmo?
Lógico que não, imagine.
Mas aqui, às dez horas tenho que estar de volta no portão da faculdade, o meu pai está vindo da Penha, vai ficar dois dias em Floripa e quer me ver.
Tudo bem. Já sei que hoje não rola nada.
Nem ia rolar, é o nosso primeiro encontro. Nem nos conhecemos ainda. Nós catarinenses não somos como as gaúchas, que dão no primeiro encontro.
Credo, que bairrismo. Nem sabia que havia isso por aqui. Nós vemos amanhã?
Sem problemas.
Bem, deixei a Verônica às dez horas e dez minutos no portão da universidade. Nos despedimos com beijinhos nos rostos. Manobrava para voltar para casa quando uma maluca riponga, toda desajeitada, óculos fora da moda, duas tranças rebeldes pendentes para os lados, uma franja desalinhada, atravessou na frente do carro. Parei em cima, quase atropelando, mesmo assim, ela veio só sorriso até a janela.
Oi, Rui, sou eu, Verônica. Atrasei dez minutinhos por causa da prova de Hermenêutica Filosófica.
Rui!? Que Rui? Meu nome é Raul.
Mas como, a descrição está batendo certinho. Picape azul.
Só há uma picape azul em toda Florianópolis?
Com placa de Ji-Paraná, dirigida por um nissei, acredito que só.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

MSN pirateado



Timbaúba era apagadão em informática. Sua mulher, ao contrário, era bamba no assunto, não que tivesse alguma formação técnica a respeito, mas pelo fato de passar horas e horas diante do computador. Melhor, era especialista em Redes Sociais; melhor ainda, em fofocas pela net. A mulher era tão astuta que até criara alguns fakes no Orkut e abrira um MSN falso para o amante e batizou com nome de uma de sua amigas:"Carmine". Isso, ela dava seus pulinhos, só para ficar num único eufemismo. Sacaram a esperteza dela? Quando o marido, ou os filhos,ou quem quer que seja, olhassem a telinha do computador, veriam um nome feminino, acima de qualquer suspeita. Eu, particularmente, não confio nessas tecnologias. Se é algo que pode dar errado, certamente dará. É a velha Lei de Murphy. Mas Bia a desconhecia, certamente.
Carmine, abro aqui um parêntese, a de verdade, era amiga de infânica da Bia. As duas não se viam há anos. Casada,filhos e morava numa cidade vizinha, portanto, as chances de se encontrarem eram grandes. Está aí, caro leitor, a brecha que a lei de Murphy precisa para, de soslaio, ou de solapa, pois que nela não há critérios definidos para se fazer valer. Digamos lá que as duas, ou os dois casais, se encontrem na rua. E se o assunto for a net? Vai lá que Timbaúba comente o fato de "as duas ficarem" madrugadas no bate papo. Carmine é terapeuta, trabalha em três hospitais, não tem tempo de ficar na net, muito menos de papo-furado.
Bom, não foi isso o que aconteceu, mas algo próximo, muito próximo, e pior. Era feriado e Carmine, que se fazia acompanhar do marido, fora resolver alguma coisa na cidade de Bia. Não leitor, não sei o que se pode resolver num feriado. Já falei sobre a minha onisciência. Carmine, volto a dizer, aproveitou o momento para visitar a amiga. O acolhimento foi maravilhoso. Ambas sentiam muitas saudades uma da outra. Afinal, só se “viam” pela net. Os quatro conversavam animadamente na sala quando o alarme do MSN chamou a atenção de Bia. Era “Carmine”. Os quatro se entreolharam.
_ É você me chamando, como é que pode? – falou Bia, fingida.
_ Estranho, não querida, Carmine está aqui. Será que deixou o MSN aberto em alguma lan-house? - conjecturou Timbaúba.
_ Não, Timbaúba, eu acesso a net de casa, não freqüento lan-houses.
_ Já sei – cortou o marido de Carmine -, vamos ver quem é. Responde aí, vai.
_ Não, acho melhor desligar essa máquina, falou Bia, Já prevendo algum desastre.
_ Isso mesmo, concordo com o companheiro. Vamos ver quem é. Eu mesmo respondo, já que se trata de uma fraude. Afinal, o policial aqui sou eu. Falou Timbaúba.
Não é que me esqueci de dizer que o Timbaúba era policial federal? Tudo bem, era somente um auxiliar de escritório, um burocrata, que mal sabia empunhar uma pistola, mas era policial.
Os quatro se aboletaram diante do computador e começaram a conversar com o internauta do outro lado.
_ "Oi", disse o internauta.
_ "Oi, td bem", perguntou Timbaúba.
_ "Sim, MS c sdades",
_ "tb"
_ "a última vez foi muito bom"

- "é, foi ótimo"
- "vamos di novo?"
_ "sim"

- "no mesmo lugar"

- "que tal mudarmos?"

- "onde?"
Caro leitor, para economizar o seu tempo, digo logo que eles marcaram um encontro num local chamado Galioto.
Dia seguinte, foram todos para o Galioto, melhor, Bia foi para o Galioto, os três ficaram escondidos, num carro alugado, com os vidros escurecidos.
Àquela hora havia pouco movimento no bar. Bia entrou, sentou-se numa das mesas que dava vista para o lado de fora, e ficou aguardando o ilustre internauta. Não poderia se recusar a fazer o que estava fazendo, isso levantaria suspeitas. No carro, com um binóculo, Timbaúba observava atento. A instante fazia contato com a mulher pelo microfone espião, preso a um dos brincos.
_ Ridículo, isso, dizia ela. Vou-me embora.
_ Vai nada, precisamos desmascarar esse bandido. Onde já se viu cantar a minha mulher assim, ainda mais usando o nome da sua melhor amiga. Isso é crime, dizia convicto o marido.
Lá pelas tantas, entra no restaurante um conhecido do Timbaúba, outro policial federal, o delegado Clarck.
- O que esse cara está fazendo aqui. Será que é ele o tal hacker, Timbaúba perguntou para o casal.
_ Amigo, desconfio de coisa pior. Acho que você está tomando bola nas costas, falou o marido de Carmine. Não há hacker algum. A sua mulher montou esse MSN com a foto da minha para conversar com esse delegado. Você é mesmo corno e eu vou processar a sua mulher por danos morais. A minha não tem nada a ver com essa história.

A discussão ia começar quando a voz de Bia soou no equipamento:
_ Amor, esse sujeito está dizendo que é delegado, diz que vai me prender por crime na net, vem cá, amor, por favor.
- Pronto, deu merda, agora vai é todo mundo preso, eu estou fora, foi dizendo o marido da Bia.
- Fora nada, você vai comigo, você é a única pessoa que pode testemunhar a favor da Carmine. Esqueceu que o testemunho de parente não vale?
E entraram todo no Galioto. Explica daqui, explica dali, tudo ficou esclarecido: um hacker estava brincando com as pessoas. O delegado federal que estava acompanhando o caso achou que aquele seria o momento de pegar o bandido.
Tudo claro como a clara, todos foram embora. Na hora de deitar, o marido de Bia faz a seguinte observação:
_ Amor, sua amiga não detestava uísque? Ela pediu e sequer tocou no copo.
_ Vai ver estava nervosa, respondeu a mulher.
_ “Se eu estiver com um copo de uísque, não se aproxime”. Onde já vi esse filme?
_ Vamos dormir, amor!