segunda-feira, 14 de setembro de 2009


A coelhinha da Playboy francesa


Era um desses bolos de aniversário, muito glacê, recheado com creme de leite. Parecia gostoso, mas eu não podia comê-lo. Fui sincero, disse-lhe que tinha pânico da diabetes, embora a minha taxa de glicose fosse normal e não houvesse histórico familiar. Mas o bolo... o bolo parecia delicioso e também muito doce, e, no segundo caso, não haveria de ser diferente. Ela olhou assim pra mim, meio com peninha, – poderia estar até decepcionada, mas não estava, ou não demonstrava - e deu uma sugestão: tenho aqui algo que você pode comer, e não é doce, pelo contrário, é até salgadinha. O rosto dela ficou enrubescido de imediato. Eu só disse “cuidado, menina, você não sabe onde está pisando”. Então ela apagou a lâmpada e nos deixou no escuro. “Vou a cozinha e volto. Já volto pronta com a surpresa, quero vê-lo pronto também. Você sabe do que estou falando”, concluiu.
Ah, caro leitor, se eu te falar onde estávamos e quem era a mulher, você, no meu lugar, sairia correndo. Discreto como sou, vou omitir o nome dessa pessoa, vou chamá-la apenas de Juli, pois se trata de uma modelo muito famosa, aqui em França, e é coelhinha da Playboy. O local era o luxuoso salão da cabeleireira mais famosa de paris, Mademoiselle Haydeé Henry, no centro da cidade, ao lado da Embaixada Brasileira, na 34, Cours Albert 1er. Sairia correndo porque a coelhinha era casada com o melhor pugilista francês, e o meu plano de saúde não cobre cirurgia plástica. Mademoiselle e a modelo eram amigas, e eu estava ali para tratar de um assunto sobre direitos autorais da modelo-cliente. Digo cliente porque é assim que trato todos os clientes, não sei nada sobre as fantasias que passam nas suas loucas cabecinhas. Já tive, não vou negar, um interesse especial por essa gata, mas hoje isso faz parte do passado. Seguimos rumos diferentes, e muito, em nossas vidas. Mas ela nunca esquece, e quase sempre me cutuca. Acho que agora a vara está curta demais.
Haydeé encerrara o expediente, todos os empregados já haviam ido embora e ela cedeu o espaço para conversarmos, eu e a coelhinha. A conversa poderia ser no meu escritório, lógico, mas essas celebridades costumam ser seguidas por centenas de paparazzis, que não as deixam em paz. Entrar num escritório de um advogado especialista em direitos autorais poderia deixar em alerta as agências de publicidade e fechar algumas portas para a Juli. Enfim, estávamos todos ali, quer dizer, quase todos, mademoiselle inventara uma desculpa e foi a um bistrô na esquina.
A coelhinha me pegou num momento crítico. Senti a temperatura do ambiente subir, tirei logo o paletó, a gravata e fui tirando tudo até ficar apenas de cuecas. Como mágica, o som do salão passou a tocar uma música suave, Clair de Lune, de Debussy. Um único feixe de luz que saia da cozinha foi apagado. Do corredor veio a ordem para eu fechar os olhos. Fechei-os, o que parece ter aumentado as minhas outras capacidades sensoriais, em particular a olfativa. Sentia que a coelhinha estava muito próxima de mim, quase podia tocá-la. “Pronto, pode abrir os olhos”. Abri os olhos e ouvi um gritinho: “Surpresa! Torta salgadinha, essa você pode comer!”.

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