domingo, 23 de agosto de 2009

Para não dizer que falei de flores, não falo mesmo.

Gaivotas voltando para casa depois de um dia de vaias


Enquanto esperamos a tal da licença ambiental, para que o porto funcione plenamente e tenhamos a tão sonhada independência econômica, nós vamos criando alguns costumes que podem muito bem ser explorados por quem vende o turismo. É preciso mostrar ao estrangeiro que vem para Arraial do Cabo pensando que está em Búzios, que aqui tem outras atrações além das belas praias. Algumas dessas atrações até podem ser desfrutadas no período de inverno, com chuva fina e vento nem tanto. O que nos tiraria da dependência do verão. Faríamos turismo o ano inteiro.
Uma das atrações é o crustáceo decápode frigido na via pública, com direito a fumaça na cara. Pode até vir escrito assim no cardápio, vamos receber turistas chiques, adeus turistas de São Gonçalo e Baixada. Já vejo o turista, o chique, claro, voltando para o seu país com o rosto defumado, todo orgulhoso, nos cabelos, cheiro de fritura. Isso, minha gente, não tem na Europa nem na América, certamente há na África Subsaariana.
Outro lugar maravilhoso para levar o turista é onde se vende peixe na calçada. Lá o turista poderá comprar excelente pescado sem nenhuma higiene, dentro de caixas de isopor imundas, sobre calçadas idem. O peixeiro garante que o produto é fresco, mas ele dá essa garantia desde o momento que põe o produto no passeio público até a hora de ir embora. Quer dizer, se for embora no final da tarde, ele conseguiu o milagre de manter o peixe fresco, embora o tenha pescado dias antes.
Mas o turista não gosta somente de frutos do mar, ele quer ver coisas da terra, quer ver povão, cultura, que sentir o calor humano, o mau hálito, o bafo de pinga barata. Aí eu o levaria para ver os mamonas em frente ao estádio e na Praça Vitorino Carriço. Isso seria até uma fonte de renda para os próprios mamonas, que vivem de pedir 1 real para tomar aguardente. Acho que eles ganhariam o suficiente para comprar uísque White Horse . Quando se vai à Europa, o visitante aproveita para tirar fotos de ou com as figuras de aparência estranha que habitam o velho continente. Eu mesmo tirei fotos de punks londrinos, dos músicos na entrada do metrô em Nova York, das mulçumanas francesas. Arraial tem os mamonas e não sabe explorar esse potencial, fica esperando a volta da Álcalis, a verba dos royalties, o dinheiro do PAC, a ajuda divina. Parecemos os portugueses aguardando a volta de D Sebastião.
Outra coisa que dizem que fazemos muito bem é dar vaia nas gaivotas. Minha gente, isso é fantástico. Esse pessoal pode vaiar em francês, que seria mais ou menos assim: iuuuu, bem fraco, fazendo biquinho, mas sem boiolice; pode vaiar em russo: uuuushshshskkkkkkkkkáááááááááá, carregando bem no “Ká”. Enfim, vaiar nuns cinco idiomas e em alguns dialetos indígenas, o turista adora isso. Cobrar em euros e por vaia, ou por gaivota vaiada. Não pode vaiar a mesma gaivota duas vezes, é lógico, isso poderia parecer maus tratos com os animais, e aqui ninguém maltrata animais, só os cachorros.
Por falar em cachorros, eles ficam abandonados no lixão, Ninguém os visita, nem os protetores de animais. O gringo é muito bobo, tenho certeza que as vans que vêm de Búzios podem muito bem desviar a rota e passar na usina de reciclagem de cachorro, quer dizer, de lixo. Colocaríamos uma placa na entrada: CAMPO DE EXTERMÍNIO. Não precisa dizer que é de cães. Deixe-os pensar que é uma réplica de Auschwitz.
Já sei, os mais cépticos dirão que as medidas, principalmente essa última, vai estragar a imagem da cidade. E qual é o problema, estragará a imagem de Búzios, rsrsrsrsr.

2 comentários:

  1. Perfeito!
    Parabéns pelo texto, está totalmente contextualizado à realidade de Arraial do CAbo, está aí o filme "À deriva " que ratifica o que disse , mostrando cenas da nossa cidade como se fossem de Búzios.

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  2. Desculpe-me a minha santa ignorância, ainda não vi o filme, mas se isso for verdade, deu-se a profecia: roubaram-nos a luz. O mais fraco deles pode entrar em nossas casas e roubar-nos o que quiserem. Nunca tivemos mesmo voz em nossas gargantas, agora a temos arrancada. Já não podemos dizer nada. E ainda propagam que há intelectuais nessa cidade, enquanto que nem cidade há.

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