quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Um susto legal


Eu e Carlos fazíamos Medicina em Minas Gerais. Estudávamos em cidades diferentes, mas todos os anos voltávamos juntos para a nossa terra, no interior de Goiás. Eu era o único com carro e por isso passava na república onde ele morava e lhe dava carona. Num final de ano, acho que o último antes da nossa formatura, eu parei em frente a casa,uma construção do século XVIII, bati na porta, com uma daquelas argolas metálicas, muito comum antes da invenção da campainha, e aguardei alguns minutos. Depois repeti, e nada de ser atendido. Uma senhora, vizinha,dessas que tomam conta de todo o quarteirão, chegou a mim e disse que um carro do IML havia acabado de sair do local. Perguntei se acontecera alguma coisa com o meu colega, ela não soube responder. Peguei o endereço do IML e me dirigi pra lá às pressas. Uma vez no IML, perguntei ao recepcionista se algum corpo dera entrada ali na última hora, ele disse que sim; a seguir perguntei pelo nome, e a resposta fez-me tremer as pernas e gelar todo o corpo. Recompus-me e pedi para ver o cadáver. O recepcionista chamou outro funcionário e fui com este até ao salão das geladeiras. Senti o maior alívio do mundo quando vi que o corpo era de outro Carlos. Voltei para a portaria e perguntei se um estudante de medicina não havia chegado ali no carro do instituto. Ele disse que sim, acompanhava um dos professores da faculdade, que por sinal era o legista de plantão, mas saiu há poucos minutos para deixar o aluno em casa. Voltei correndo para a república e lá encontro o Carlos, malas arrumadas, olhando para o relógio. Dei-lhe o abraço mais gostoso do mundo e uma bronca, pois não me dissera que havia optado por Medicina Legal.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O congresso

A mulher, que participava de um congresso na Inglaterra, ligou pro marido dizendo que sairia de Londres no domingo, dia 19, às nove horas, e chegaria no Rio por volta das 20. Até eu achei estranho. Que milagre seria esse, já que o aeroporto de Heathrow estava fechado por conta da nevasca que caía sobre o Reino Unido desde sábado. “Bom, vai ver que vem num avião militar”, pensou o marido, já coçando o alto da cabeça. Vinte horas, conforme combinado, lá estava ele no Aeroporto Tom Jobim. No horário cravado, a mulher aparece na sala de desembarque. Ele não ouvira nenhum anúncio de voos vindos da Europa. Bom, aguardaria as explicações da mulher em casa, ali não era lugar pra isso. Em casa é que a surpresa foi maior: a mulher estava completamente bronzeada e não era artificial, com certeza. Achou que já estava passando o momento de pedir explicações, mas seria delicado como sempre, nada de ofensas. Perguntou, então, como fora o congresso. Ótimo. Aprendi muito com os ingleses, aquilo que é povo educado, são incapazes de pedir qualquer coisa sem usar antes o famoso “pris”. O marido, que já andava mais que desconfiado, corrigiu: “Não seria please? “Please, ‘pris’, pra mim é tudo a ‘merma’ coisa, disparou a mulher. “Como você se virou lá, com esse inglês vitoriano", ironizou o marido. “Você me conhece, sabe que viro, me reviro e dou reviravoltas muito bem. A propósito, antes que você me faça um montão de perguntas, que eu sei que a sua língua tá coçando, veja o presentinho que eu trouxe pra você, ingrato”. A mulher abriu a bolsa e passou às mãos do marido um pequeno embrulho com cerca de vinte centímetros. O marido abriu a embalagem com cuidado; dentro, um lindo estojo. Quando ele viu o conteúdo deu um grito que mais parecia a comemoração de um gol de final de campeonato. “Uma Montblanc John Lennon. Amor, eu não mereço, deve ter custado uma fortuna. Veja, que lindo esse braço de violão no corpo da caneta. Amei, não acredito no que estou vendo”. O sujeito encheu a mulher de beijos e afagos. Ele estava tão feliz que nem se importou com a embalagem da caneta, informando que fora comprada num shopping da África do Sul. Vai ver o avião fez escala em Johannesburgo, demorou muito o traslado e sobrou tempo até para pegar um bronze. Vocês pensam que voos só atrasam no Brasil?

domingo, 19 de dezembro de 2010

O brinco perdido


Um dos garçons chega à mesa ao lado da minha e discretamente pede ao senhor, acompanhado de uma linda dama, que o acompanhe até à gerência. Mal o homem sai, a mulher fala com alguém pelo celular. Cerca de 15 minutos depois, o homem aparece e senta-se no mesmo local. Esforça-se para parecer natural, mas não consegue. Sinaliza para a mulher que pretende deixar o lugar. O homem chama o garçom, pede a conta, paga, levanta e vão embora. Seleciono a câmera dois e vejo que o casal aguarda o manobrista numa das salas de espera. Coloco os fones nos ouvidos, em busca da melhor sintonia, e consigo captar a conversa. Mas antes, deixe-me apresentar: sou segurança e trabalho neste restaurante, o mais chique da cidade. Pareço um cliente normal, mas da minha mesa, com um iPad, tomo conta de todo o ambiente e da área externa. Mais pareço um executivo que um segurança. Feita a devida apresentação, voltemos:
_ Como você explica isso? Pergunta o homem, abrindo a mão direita e mostrando um brinco.
_ Eu falei pra você que havia perdido um dos brincos, respondeu a mulher.
_ Falou. Mas não que perdera aqui, na semana passada, quando jantou com alguém que, suponho, se parece muito comigo. Sabe o que o gerente falou pra mim, quando saí da sala dele? Que lembrava muito bem de mim, pois eu sento sempre na mesma mesa. Sabe o que mais? Que não tinha certeza sobre você, por isso ele me chamou lá dentro. Você poderia ser a outra. Que ironia: eu sou o outro.
_ Essa jóia pode ser falsa.
_ Falsa? Vou voltar com ela amanhã mesmo na H. Stern.
_Não, não é, infelizmente. É meu mesmo. Confesso tudo. Estive aqui com o seu primo, o Eduardo...
_... imaginei...
_ Eu usava uma peruca, não queria ser vista com ele. Mas ele me garantiu que não havia problema, que o assunto era muito urgente e preferia que fossemos vistos em lugar público. Eu não queria porque todo mundo sabe a fama dele e esse é o seu restaurante preferido.
_ O Eduardo é o maior garanhão. Já levei até porrada por causa dele. E ele só gosta de mulher casada. Não acredito que você aceitou conversar com aquele idiota longe de mim.
_ Calma. O Eduardo não é mais o mesmo. Ele me confessou que agora gosta de homens. Isso, o Eduardo virou gay. Segundo ele, sempre foi gay. A macheza era só uma cobertura, frágil, por sinal.
_ Conta outra, vai. O Eduardo gay, era o que faltava.
_ Ligue pra ele, então, se não acredita em mim. Falou, já chorando.
_ Vocês combinaram tudo. Se eu ligar, ele vai me atender desmunhecando, com voz em falsete.
_ Não, ele não faz esse tipo. Eu vou ligar pra ele, vou pedir pra ele vir aqui e contar tudo pra você.
O casal cancelou o pedido do carro e voltou para o salão do restaurante. Sentaram no mesmo local e pediram uma garrafa de vinho tinto. Cerca de vinte minutos depois, chega o tal Eduardo, acompanhado de um rapaz cerca de dez anos mais novo. Imediatamente pede desculpas ao casal por fazê-los passar por tudo aquilo, a seguir agradece imensamente à esposa do primo por fazê-lo sair do armário.
_ Vocês namoram a quanto tempo, perguntou de chofre o marido, olhando para os recém chegados.
_ Três meses, responderam em uníssono.
_ Treinaram antes de vir pra cá. Eduardo, você pode até fazer sexo com essa cara na minha frente, que eu não confio em você. Olhe, vou embora resolver esse assunto com a minha mulher em casa, aqui não pe lugar pra isso.
_Não vá, te imploro, primo. Veja o nosso vídeo, eu e o Carlos saímos de um motel agora, nós nos amamos de verdade.
_ Vá pra ... se não estivéssemos num restaurante eu ia acertar a sua cara. Eu lá quero ver essa nojeira, seu viado sem vergonha. Esqueça que é meu primo, nunca mais fale comigo. Vamos embora Clara, deixe esses dois aí. E nunca mais entro nesse restaurante. Vocês me causam asco.
O cara saiu furioso. Tinha toda a razão do mundo, mas deveria voltar quinze minutos depois, quando o Eduardo, já meio alto, diz para o amigo:
_ Cara, a mulher do meu primo vale qualquer sacrifício, que mulherão. Falta de sorte foi ela ter perdido a merda daquele brinco, que nem da H Stern é. Você foi demais, fico te devendo essa.
_ E se o cara quisesse ver o tal vídeo? Essa máquina só tem fotos da minha irmã. Você é mesmo louco.
_ Eu conheço o meu primo, sabia que ia me xingar e não ia querer ver nada. Ele detesta homossexuais. Deve ser um enrustido. O importante é que ele acreditou na nossa história. Não ia ter graça nenhuma a gostosona da mulher dele ficar solteira por aí. Só gosto de mulher casada, você sabe disso. Agora, cá pra nós, esse gerente daqui é uma besta quadrada, acabou de perder um grande cliente, e eu, que me pareço com o meu primo, não vou mais poder pendurar as minhas despesas no nome dele.
E eu, caro leitor, que sou PM e o que ganho não dá nem para almoçar aqui, faço bico como chefe de segurança desse belo restaurante. Estou pensando seriamente conferir para ver se a mulher do primo desse espertinho do Eduardo é tudo isso que ele fala. Depois arranco uma graninha de todo mundo. Argumento pra isso eu tenho, não tenho? Rsrsrsrsr.

domingo, 28 de novembro de 2010

Hora que melhora


Uma amiga postou o seguinte no Orkut: “Está na hora de orarmos pelo Rio e não de fazermos gracinhas sobre o assunto (violência) na Internet". Também acho, e o leitor, se houver algum, também deve achar. Mas orar e rezar deve ter sido as únicas coisas que foram feitas todos esses anos em que os traficantes dominaram a cidade e estenderam os seus tentáculos a todo o Estado, infernizando cidades do interior, mudando a rotina de municípios outrora pacatos.
Não sei exatamente o número de igrejas, evangélicas ou não, existentes no Complexo do Alemão, mas não deve ser pequeno, basta fazer uma rude regra de três e dar um certo desconto. Se em Arraial do Cabo, com trinta e cinco mil habitantes, temos mais de 50, a Comunidade do Alemão tem seguramente cinco vezes mais, quer dizer, umas 250 igrejas. Se ¼ dos moradores do Alemão tiverem algum credo, teremos aí mais religiosos que na nossa pequena Arraial.Os problemas daqui são infinitamente menores que os de lá, mas pelo que se vê, nem nós aqui, nem eles lá têm rezado muito nos últimos anos, ou se tem, tem sido de forma errada.
Aonde eu quero chegar com essas projeções? Além de irritar o provável leitor, a minha colega do Orkut e algum fanático religioso, caso leiam esse artigo, quero dizer que é improvável que reza e mandinga ajudem. Desculpe, amiga do Orkut, mas rezar orar, cantar mantras, acender velas, falar com os espíritos nada disso adianta nessa hora. Orar num conflito como esse dá no mesmo que tomar placebo contra o cãncer. Há ocasiões em que este funciona, mas isso é psicológico. Não resolve orar,efeitos psicológicos não desviam balas nem demove traficantes. Mas a oração não atrapalha, pode continuar orando, mas pergunte-se se não pode fazer nada mais que isso. Não se omitir, por exemplo. Lógico que não estou acusando-a de omissa, mas os seus colegas religiosos, de qualquer denominação, são bastante omissos. Alguns até ficam do lado contrário, como a Igreja Católica diante do Holocausto. Aliás, amiga, muita gente já matou e mata em nome de Deus. Tem muitos pastores tirando quase tudo de quem não tem quase nada. Alguns, descaradamente, possuem contas em paraísos fiscais. Mas isso é outra história.
Portanto, não devemos tirar graça dos fatos, deixemos isso para os Cassetas, mas não vamos apenas rezar, vamos fazer algo mais e esse algo mais começa com gestos bem menores que genuflectir os joelhos e gritar aleluias.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Nesses tempos de e-tudo, talvez seja a hora de e-relaxar


As atuais gerações, já batizadas de “e-geração” ou “geração net”, já vêm de “fábrica” com upgrade. Se acham melhores que os pais, melhores que os avós. Não é certamente a tal da evolução da espécie, explicada pelo inglês Charles Darwin. O que deveria ser o caminho natural, a evolução do ser humano, com o advento da tecnologia da informática, pode ser chamado, sem nenhum medo de errar, de involução no campo das relações interpessoais.
O que evoluiu, na verdade, foram as tecnologias, principalmente as de informática, que trouxe as outras a reboque. O ser humano, ao contrário, sofreu um processo de regressão. Parou de interagir com os seus semelhantes, acha-se auto-suficiente. Com o prestígio conquistado, somado ao dinheiro, ganho com alguma velocidade, as narinas apontam cada vez mais para o céu. Soberba é a palavra da vez para a atual geração. Intolerante, fica torcendo para que as gerações anteriores desapareçam do mapa. Para a e-geração é muito mais cômodo perder o tempo diante de várias máquinas – ela não se contenta mais com o velho PC – a ter que olhar o seu semelhante nos olhos, a ter que conversar.
Muito se tem discutido, pouco se tem feito. Na verdade, não há muito o que se fazer. Este sempre foi o caminho buscado pela raça humana. É a lei do menor esforço. Se podemos fazer quase tudo pela Internet: pagar, comprar, namorar, divertir, estudar, etc, por que devemos nos apresentar a alguém e perguntar pelo tempo? A sociabilidade é uma prática, quando deixamos de fazê-la, fatalmente esquecemos. E nisso a Internet tem sido a divisora de águas.
As gerações off-net não conseguem acompanhar este desenvolvimento. Saídas dos bancos escolares há algum tempo, veem-se desmotivadas a buscar o conhecimento. Por conseguinte, os diversos segmentos do governo nada fazem para inseri-las nesse universo. Até parece que o próprio governo também quer livrar-se dessa gente e-analfabeta.
As empresas, em especial bancos e aquelas voltadas para o e-comércio, é que deveriam investir nesse nicho, são eles os maiores interessados em adquirir novos clientes. Houvesse, por parte deles, uma pequena aplicação do enorme lucro obtido em instrução gratuita, com subsídios na compra de computadores, redução do preço do acesso à rede, dentre outras iniciativas, certamente todos sairiam lucrando.
Assim, uma vez que é inevitável brecar a e-volução dessa e das futuras gerações, resta apenas acompanhá-la para entendê-la, para falar a mesma língua. A língua em si é algo que sempre se inova. Talvez falando o mesmo dialeto deles diminua-se o fosso hoje existente. O mais é encarar com naturalidade.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Santa Catarina, rogai por mim



Marquei às nove horas na saída da universidade. Sou sempre pontual. Cheguei meia hora antes. Era o nosso primeiro encontro. Nos conhecemos pela Internet. Estacionei a picape com as duas rodas laterais sobre a calçada – a rua era estreita –, liguei o rádio para ouvir o jogo de futebol e aguardei Verônica, estudante de Filosofia, solteira, 24 anos, loura, olhos verdes, 1,70 de altura. Uau. Ah, catarinense, tinha que ser, rsrsrs, eu morava em Floripa nessa época.
Sabe aquela batida, tipo Código Morse: uma batida longa, seguida de duas breves e mais três longas? Assim: tan, tarantan, tan, tan. Isso. Até hoje não sei o motivo, mas sempre gostei dessa batida nada original, mais ainda agora, que a ouvia na minha janela. Bom, isso é o que menos importava, mas Verônica, não sei porque motivo, antecipou o nosso encontro, chegou meia hora antes, coisa raríssima se tratando de mulheres. Mas que ótimo que ela chegou.
Verônica!
Rui!
Vamos conversando no caminho?
Ótimo.
Liguei o carro e saí o mais rápido possível.
Interessante...
O quê?
... a cor do seu carro?
Azul
Sei, sei, mas você disse que era verde
Não, não disse que era verde
Bom, não será um detalhe tão simples que irá estragar o nosso primeiro encontro, não é mesmo?
Lógico que não, imagine.
Mas aqui, às dez horas tenho que estar de volta no portão da faculdade, o meu pai está vindo da Penha, vai ficar dois dias em Floripa e quer me ver.
Tudo bem. Já sei que hoje não rola nada.
Nem ia rolar, é o nosso primeiro encontro. Nem nos conhecemos ainda. Nós catarinenses não somos como as gaúchas, que dão no primeiro encontro.
Credo, que bairrismo. Nem sabia que havia isso por aqui. Nós vemos amanhã?
Sem problemas.
Bem, deixei a Verônica às dez horas e dez minutos no portão da universidade. Nos despedimos com beijinhos nos rostos. Manobrava para voltar para casa quando uma maluca riponga, toda desajeitada, óculos fora da moda, duas tranças rebeldes pendentes para os lados, uma franja desalinhada, atravessou na frente do carro. Parei em cima, quase atropelando, mesmo assim, ela veio só sorriso até a janela.
Oi, Rui, sou eu, Verônica. Atrasei dez minutinhos por causa da prova de Hermenêutica Filosófica.
Rui!? Que Rui? Meu nome é Raul.
Mas como, a descrição está batendo certinho. Picape azul.
Só há uma picape azul em toda Florianópolis?
Com placa de Ji-Paraná, dirigida por um nissei, acredito que só.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

MSN pirateado



Timbaúba era apagadão em informática. Sua mulher, ao contrário, era bamba no assunto, não que tivesse alguma formação técnica a respeito, mas pelo fato de passar horas e horas diante do computador. Melhor, era especialista em Redes Sociais; melhor ainda, em fofocas pela net. A mulher era tão astuta que até criara alguns fakes no Orkut e abrira um MSN falso para o amante e batizou com nome de uma de sua amigas:"Carmine". Isso, ela dava seus pulinhos, só para ficar num único eufemismo. Sacaram a esperteza dela? Quando o marido, ou os filhos,ou quem quer que seja, olhassem a telinha do computador, veriam um nome feminino, acima de qualquer suspeita. Eu, particularmente, não confio nessas tecnologias. Se é algo que pode dar errado, certamente dará. É a velha Lei de Murphy. Mas Bia a desconhecia, certamente.
Carmine, abro aqui um parêntese, a de verdade, era amiga de infânica da Bia. As duas não se viam há anos. Casada,filhos e morava numa cidade vizinha, portanto, as chances de se encontrarem eram grandes. Está aí, caro leitor, a brecha que a lei de Murphy precisa para, de soslaio, ou de solapa, pois que nela não há critérios definidos para se fazer valer. Digamos lá que as duas, ou os dois casais, se encontrem na rua. E se o assunto for a net? Vai lá que Timbaúba comente o fato de "as duas ficarem" madrugadas no bate papo. Carmine é terapeuta, trabalha em três hospitais, não tem tempo de ficar na net, muito menos de papo-furado.
Bom, não foi isso o que aconteceu, mas algo próximo, muito próximo, e pior. Era feriado e Carmine, que se fazia acompanhar do marido, fora resolver alguma coisa na cidade de Bia. Não leitor, não sei o que se pode resolver num feriado. Já falei sobre a minha onisciência. Carmine, volto a dizer, aproveitou o momento para visitar a amiga. O acolhimento foi maravilhoso. Ambas sentiam muitas saudades uma da outra. Afinal, só se “viam” pela net. Os quatro conversavam animadamente na sala quando o alarme do MSN chamou a atenção de Bia. Era “Carmine”. Os quatro se entreolharam.
_ É você me chamando, como é que pode? – falou Bia, fingida.
_ Estranho, não querida, Carmine está aqui. Será que deixou o MSN aberto em alguma lan-house? - conjecturou Timbaúba.
_ Não, Timbaúba, eu acesso a net de casa, não freqüento lan-houses.
_ Já sei – cortou o marido de Carmine -, vamos ver quem é. Responde aí, vai.
_ Não, acho melhor desligar essa máquina, falou Bia, Já prevendo algum desastre.
_ Isso mesmo, concordo com o companheiro. Vamos ver quem é. Eu mesmo respondo, já que se trata de uma fraude. Afinal, o policial aqui sou eu. Falou Timbaúba.
Não é que me esqueci de dizer que o Timbaúba era policial federal? Tudo bem, era somente um auxiliar de escritório, um burocrata, que mal sabia empunhar uma pistola, mas era policial.
Os quatro se aboletaram diante do computador e começaram a conversar com o internauta do outro lado.
_ "Oi", disse o internauta.
_ "Oi, td bem", perguntou Timbaúba.
_ "Sim, MS c sdades",
_ "tb"
_ "a última vez foi muito bom"

- "é, foi ótimo"
- "vamos di novo?"
_ "sim"

- "no mesmo lugar"

- "que tal mudarmos?"

- "onde?"
Caro leitor, para economizar o seu tempo, digo logo que eles marcaram um encontro num local chamado Galioto.
Dia seguinte, foram todos para o Galioto, melhor, Bia foi para o Galioto, os três ficaram escondidos, num carro alugado, com os vidros escurecidos.
Àquela hora havia pouco movimento no bar. Bia entrou, sentou-se numa das mesas que dava vista para o lado de fora, e ficou aguardando o ilustre internauta. Não poderia se recusar a fazer o que estava fazendo, isso levantaria suspeitas. No carro, com um binóculo, Timbaúba observava atento. A instante fazia contato com a mulher pelo microfone espião, preso a um dos brincos.
_ Ridículo, isso, dizia ela. Vou-me embora.
_ Vai nada, precisamos desmascarar esse bandido. Onde já se viu cantar a minha mulher assim, ainda mais usando o nome da sua melhor amiga. Isso é crime, dizia convicto o marido.
Lá pelas tantas, entra no restaurante um conhecido do Timbaúba, outro policial federal, o delegado Clarck.
- O que esse cara está fazendo aqui. Será que é ele o tal hacker, Timbaúba perguntou para o casal.
_ Amigo, desconfio de coisa pior. Acho que você está tomando bola nas costas, falou o marido de Carmine. Não há hacker algum. A sua mulher montou esse MSN com a foto da minha para conversar com esse delegado. Você é mesmo corno e eu vou processar a sua mulher por danos morais. A minha não tem nada a ver com essa história.

A discussão ia começar quando a voz de Bia soou no equipamento:
_ Amor, esse sujeito está dizendo que é delegado, diz que vai me prender por crime na net, vem cá, amor, por favor.
- Pronto, deu merda, agora vai é todo mundo preso, eu estou fora, foi dizendo o marido da Bia.
- Fora nada, você vai comigo, você é a única pessoa que pode testemunhar a favor da Carmine. Esqueceu que o testemunho de parente não vale?
E entraram todo no Galioto. Explica daqui, explica dali, tudo ficou esclarecido: um hacker estava brincando com as pessoas. O delegado federal que estava acompanhando o caso achou que aquele seria o momento de pegar o bandido.
Tudo claro como a clara, todos foram embora. Na hora de deitar, o marido de Bia faz a seguinte observação:
_ Amor, sua amiga não detestava uísque? Ela pediu e sequer tocou no copo.
_ Vai ver estava nervosa, respondeu a mulher.
_ “Se eu estiver com um copo de uísque, não se aproxime”. Onde já vi esse filme?
_ Vamos dormir, amor!

sábado, 7 de agosto de 2010

Faltam comandantes



Morríamos aos montes de moto. Era final dos anos 1970, início dos anos 1980. Nós, marinheiros da Marinha do Brasil, morríamos pelos mesmos motivos que morrem a maioria dos que hoje andam numa motocicleta: despreparo, bebida, excesso de velocidade e exibicionismo, não necessariamente nessa ordem, ou todos os ingredientes juntos. Um ou outro morria por culpa de terceiros, muito raro, mas acontecia. Éramos cada vez menos (ou mais) que o comando da Estação Naval de Manaus proibiu a nossa ida de moto até mesmo para os navios nela sediados. A proibição só foi possível porque os argumentos do comandante, que não lembro o nome, eram fortes: “Quem eu pegar de moto transfiro para o Rio de Janeiro; se cair, mando para Mato Grosso, ainda quebrado, para se recuperar com ervas e pajelança numa tribo índígena qualquer do Alto Xingu”. Essa transferência seria sem a moto, claro. Nessa época, a importação de grandes máquinas eram proibidas, somente em Manaus poderíamos desfilar numa Kawasaki 900, numa Honda 750 Four, numa Suzuki 1200, as mais cobiçadas. Voltar para o Rio, ou ir pela primeira vez para o Rio, neste caso, para aqueles que haviam partido de outro ponto do Brasil, significava deixar para trás um bom salário e a vida metida a playboy. Coisas impensáveis, principalmente para a maioria, jovens de origem humilde, quase sempre oriundos de cidades do interior, “se achando”. Assim como os jogadores de futebol de hoje, naqueles anos, no Norte e no Nordeste do país, os marinheiros, aí incluídos todos os postos e patentes, éramos muito assediados pelas garotas.
O Brasil não sabe tratar o problema gerado pelas motos e motociclistas. Nenhum governante sabe tratar o problema. A família não sabe tratar o problema. Então, porque escrevo, certamente estará se perguntando o leitor. Escrevo para dizer que está faltando um "comandante" da Marinha em certas casas, está faltando um “comandante” da Marinha nas três esferas do governo. Eu, que não queria voltar para o Rio e muito menos para Mato Grosso – ainda inteiro, o Estado -, não fui mais para o navio em minha moto. Não foi o medo da morte que me impediu de andar nela, mas sim o de perdê-la. Como não temos esse “comandante”, nossos jovens estão sem limites. Os adultos adversos a capacete dão mau exemplo, seguidos pelos adolescentes, estes, adversos a quase todas as regras da boa civilização, e nada acontece com ninguém. Aos primeiros, a dureza de um “comandante”, tirando-lhe algo que ele goste muito. Foi pego sem capacete ou andando em alta velocidade, fica sem a moto; aos adultos, multa. O Código de Trânsito foi feito para ser aplicado.
Poderia acrescentar ao texto uma relação enorme de cabistas que morreram ou se acidentaram de moto por uma das causas já citadas. Isso só abriria feridas, não resolve o problema, o que passou passou, a vida segue. Mas por que continuamos a cometer os mesmos erros? Quando vamos dar algum valor à vida? Quando seremos responsáveis? Quando cada um dos nossos jovens que andam de moto possuírem alguma sequela? Quando cada família puder computar a sua baixa? É esse o exemplo que deixaremos, junto a tantos outros maus exemplos, para a nova geração? Que tal cada um dos agentes responsáveis fazer bem feita a sua parte? Os governantes, a polícia, a guarda municipal, o cidadão, os conselheiros tutelares, os conselheiros municipais de segurança e, principalmente, os pai, a meu ver, os maiores (i)responsáveis.
Continuo a andar de moto, uma bem menor, sem glamour, mas igualmente mortífera. A responsabilidade me foi imposta, aprendi e hoje pratico a pilotagem segura, responsável. Posso até sofrer acidentes, não estou livre deles, mas a cena que eu não quero nunca mais assistir é a de alguma cabeça, de algum amigo, espocando embaixo de algum caminhão, os miolos espirrados na minha viseira. Não aguento ver isso mais uma vez.

quarta-feira, 21 de julho de 2010


A pergunta pegou-me de surpresa.O medo da resposta errada era a companhia do Santiago, sujeito deveras chato. Qualquer das minhas respostas poderia brindar-me com a presença dele por eternas horas. Sabia que ele estava sem carro, confessou-me isso durante a audiência. Ele não faria mais nada o resto da tarde, isso significava que poderia ir ou ficar em qualquer lugar, até mesmo num bar ou numa igreja, mas iria mesmo puxar conversa comigo. Da última vez eu menti e acabamos parando numa peixaria, por sorte não havia filé de hadock e eu não quis levar nenhum outro peixe. Arrisquei: “Santiago, preciso ficar sozinho, a audiência foi muito cansativa, preciso de um momento de reflexão”. “Como assim cansativa”, perguntou-me.”Esqueceu que fizemos um excelente acordo, o meu cliente aceitou todas as exigências do seu cliente?” “Pois é, pra você ver, isso raramente acontece, é algo fora do senso comum, merece uma meditação”.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Velhas frases atualizadas:


Quem muito quer tem que ter muita grana ou bom cabo eleitoral
Quem tem olho grande não entra na China, compra pela internet ou na 25 de maio.
O bom filho à casa torna e descobre que os pais estão separados, a irmã casou com a ex-namorada e o irmão namora o melhor amigo e que estão indo para a Argentina se casar.
A pressa é inimiga da perfeição e o baiano inimigo das duas.
Antes, só; depois, mal acompanhado. Continuas assim se quiseres, o divórcio agora é rápido e barato.
Água mole em pedra dura tanto bate até que a conta da Prolagos fica insuportável.
Antes que o mal cresça, manda-o para o Pe. Severino.
Deus dá o frio, conforme-se com o cobertor.
Onde há fumaça há fogo ateado por fazendeiro, ou baloeiro, ou favelado ou empresário mal intencionado.
O dinheiro não traz felicidade, mas nos leva aos shoppings e a Paris.
O que arde, arde, curar são outros quinhentos.
O que não tem remédio é hospital público.
Pau que nasce torto só serve pra lenha ou bengala.
Pimenta nos olhos dos outros é crime; no próprio, é maluco ou distraído.
Perguntar não ofende, mas é bom consultar um advogado antes de perguntar. Dano moral está na moda.
Quem espera sempre alcança, exceto quem espera na justiça federal brasileira.
Quem riu por último não entendeu a piada.
Quem conta um conto pode contar um romance, recitar um poema...

quarta-feira, 14 de julho de 2010


Desconfiado da esposa, Manoel resolveu segui-la. Qual não foi a surpresa quando a viu entrar na casa de um amigo. Manoel esperou cerca de 10 minutos e resolveu bater na porta, gritando para o falso amigo abri-la. “Abre, Joaquim, sei que você está aí, o seu carro está aqui fora”. Foi aí que uma voz, vinda de dentro da casa, respondeu: “Mas a moto não está”



Levei para sala de aula alguns exemplares de Seleções, queria que os meus alunos conhecessem a revista. Para incentivá-los a escrever mostrei para eles que Seleções paga até R$ 400,00 por uma colaboração, e que eu enviara a minha. Fui mais longe e prometi a eles que se a minha colaboração fosse aproveitada eu usaria o dinheiro para fazer uma viagem com eles. Uma aluna pediu que eu dissesse para eles qual fora a minha contribuição. Depois que narrei, a mesma aluna falou para a turma: “Esqueçam a viagem”.

sexta-feira, 9 de julho de 2010





poodle, cachorro de madame
o meu, muito brabo, latiu
au, au, não dá pra me chamar por outro nome?




meu gato nunca caçou um rato
pareço empregado; ele, patrão
tem veterinário, cama macia, comida no prato
vive melhor que o cão
e ainda acha que tem razão.




taberneiroooo!
bebi nessa espelunca o ano inteiro
torrei meu precioso dinheiro
e tudo o que bebi,

foi parar, xixi após xixi,
nesse imundo banheiro.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A musse de maracujá


Após almoçar, resolvi comer uma sobremesa numa lanchonete recém inaugurada no centro de Arraial do Cabo/RJ. Ao final, elogiei a musse de maracujá e fiz comentários a respeito de uma que eu comera noutro dia, numa outra lanchonete em um bairro próximo. Disse que tinha um sabor péssimo. _Lá é a nossa matriz, respondeu o balconista, com um sorriso amarelo musse.

A tecnologia dá conforto, mas ainda não trouxe a felicidade, coisa que só a arte pode fazer. Carros e tênis se acabam, poemas são eternos.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

hai cai


O sal cai na pista
vem orvalho da manhã
O ovo derrapa.

mês de chuva e frio
ruas caminham coloridas
em passos céleres
tropeço Caio Graco
levanto Túlio Marco
tonto, troco Marco Túlio
ave memória
chutei dois mil anos de história.



talvez o encontro próximo seja melhor
mais próximo
próximo

domingo, 4 de julho de 2010

antes era uma folha
em branco
mas nada pacificadora
ao contrário, era desafiadora
agora é um computador
preto, cinza ou multicor
mas zombeteiro:
_poeta maluco,
pode ficar aí direto
você tem o dia inteiro
a semana toda
o mês de janeiro
os 365 dias do ano
salvo engano.

poeta


sou poeta
mas não pago meia
não arrumo emprego
só ando com mulher feia
o meu desapego
é mais que necessário
uma vez que nem tenho salário
sou poeta
mas queria ser outra coisa qualquer
ter uma profissão
dinheiro casa carrão
diploma de doutor mulher
pensando melhor:
troco tudo isso por inspiração
pois gosto mesmo é de ser poeta.

sábado, 3 de julho de 2010


Liberdade de expressão é poder rir enquanto choram; chorar, enquanto riem; ou ficar indiferente quando todos o acharem diferente.

exílio


gostaria, primeiro de ser um poeta,
segundo, um esteta
terceiro: encontrar uma teta
estudar inglês
alemão
e chinês
e fazer, num verso só,
uma baita duma confusão
depois pedia asilo
em bom francês
ia morar nos Alpes
só desceria
pra renovar o estoque de cachaça
que nem bebo
mas reservo para um bom papo
com algum amigo mineiro.