quarta-feira, 5 de maio de 2010

Morreu tarde


Na tua morte
Sequer houve luto
Deram-lhe um caixão fajuto
Sequer ouvi choro da consorte.

Nos teus tempos áureos
Com saúde e muito dinheiro
Havia amigos vários
Hoje são como agulha em palheiro

Quanto sacrifício para esta gente
Que a contragosto
Sob um sol quente
Conduzem o teu corpo insolente

Não atenderam o teu último desejo
Que o teu corpo fosse doado
Pelos vermes não querias ser comido
Também não deixou grana para ser cremado.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O alérgico


_ Gripou, não? – observou o senhor sentado à mesa em frente, após eu espirrar duas vezes seguidas.
_ É só uma reação alérgica. Provavelmente ao ar-condicionado. Vou mudar de lugar. – respondi.
Mudei de lugar e continuei a espirrar.
_ Tome, esse remédio é batata. Nunca fico resfriado. – receitou.
_ Não, obrigado, não faço automedicação. Como falei, é uma alergia boba, convivo com ela há anos. Já, já passa. – insisti.
O senhor pediu um copo de água mineral ao garçom, aproximou-se da mesa, tirou o comprimido da cartela e me deu. Aliás, empurrou minha goela abaixo, quase me engasgando. Tomei dois goles d`água para ajudar a descer e perguntei que droga era aquela que eu havia tomado.
- Não esquenta. Viu, parou... não está tossindo mais. Falei, é ba-ta-ta.
- Que remédio é esse!?- insisti, perdendo a paciência.
- Loratadina. Coisa boa. – respondeu na maior calma.
_ Boa, boa. É boa pra sua avó. Não posso tomar loratadina, me causa todos os efeitos colaterais da bula: tosse, congestão nasal, distúrbios na micção, dor na coluna, cãibras, mal- estar. Você me ferrou. – vociferei.
O efeito foi imediato. Menos de um minuto estava sentindo tonteiras.
- Caramba, a sua pela está avermelhada! – observou o outro – A minha sogra tem o mesmo problema. Veja, sorte sua, passei na farmácia hoje cedo e comprei o remédio dela. Vai, passe um pouco nos braços. – sugeriu, solicito.
- Também sou alérgico a corticóides. – expliquei, depois de ver a embalagem. Sabe de uma coisa: vou acabar chamando a polícia se você me receitar mais um desses seus remédios. Tentativa de homicídio e exercício ilegal da profissão. – esbravejei.
- Como assim ilegal? Sou médico, olhe a minha carteira.
- E era mesmo. Psiquiatra, mas médico.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Os súditos da rainha


“Nós descendemos da Marinha Britânica. Conhece a história da Volta de Nelson?”. Esse nós eram eles, os oficiais da Armada. Eu sabia da história do almirante inglês, embora não me interessasse por ela. Queria apenas cumprir o meu tempo de serviço e mandar todo mundo tomar naquele lugar, coisa que já fizera antes, mas não era um bom negócio, pois conhecia a cela onde ficara Tiradentes, numa rocha na Ilha das Cobras.
O babaca que me falava essas coisas era o oficial do dia. Entornara algumas doses de Cavalo Branco legítimo, contrabandeado pelo Navio Escola Brasil. Lógico, pois que cota era essa que abastecia quase todos os oficiais generais da briosa e ainda sobrava para um batateiro velho como o Ary? Só mesmo na ilegalidade, no contrabando oficial. E ainda vem o cretino dizer-me que é súdito da rainha da Inglaterra.
Quem eu era? Eu era o master-cook. Sim, que mais eu poderia ser? Entrei no jogo da autoridade. Não tem o velho ditado, una-se aos seus inimigos? Aliás, o oficial nem era meu inimigo, só estava enchendo a minha paciência, depois de eu ter, sozinho, preparado comida para mais de cem homens, entre o pessoal de serviço e os nordestinos e sulistas que moravam a bordo, pois o salário era tão merda quanto o ambiente. Já falei, estava somente aguardando o final do meu contrato para mandar... isso.
Bom. Se eu era um chef inglês ante um discípulo de Nelson, nada mais lógico que preparasse um prato á altura do oficial e convidados. Sim, nos finais de semana eles levavam convidados para o navio, gostaria de vê-los levar para uma churrascaria na Barra e pagar do próprio bolso, mas isso eles não fazem.
“Capitão,vou preparar um prato inesquecível para o senhor e convidados, um prato digno de um oficial da corte, disse-lhe, sério, para não parecer ironia.”
“Desde quando você sabe fazer outra coisa a não ser fritar batatas e ovos?”
Fingi não ouvir a ofensa ao bom profissional que eu fora.
“Que tal, capitão, comer um legítimo Sunday roast? Pode convidar inclusive o oficial superior da Força. Aliás, capitão, eu já cozinhei para o ministro da Marinha, pode olhar a minha caderneta.”
Cozinhara mesmo, até o dia em que a mulher do ministro achou que eu poderia cozinhar para eles em Petropólis. Eu perguntei se o mar havia subido a serra. Por isso estou nesse navio velho.
Comprovada a minha passagem por Brasília, desfiei para o capitão o que seria o prato, mas antes o adverti que precisaria abrir a frigorífica para pegar peru, carneiro, presunto assado e ingredientes para preparar os molhos gravy, cranberry, as verduras especiais, maçãs para acompanhar o gammon, material para preparar o molho de menta que acompanha o carneiro, e também para preparar o molho de raiz forte para acompanhar as verduras.
“Sem problemas”, foi o que ouvi.
O Sunday roast, não estava acreditando que ia comer novamente um Sunday roast, e ainda queria sair da Marinha, só mesmo eu.
Vou economizar ao caro leitor o tempo que levei preparando a iguaria, que modéstia à parte estava digna de qualquer rei ou rainha. Almoçaram cerca de doze pessoas, entre familiares, amigos do capitão e o oficial superior da força, que estava na relação dos novos almirantes a serem promovidos na semana seguinte, bem mais antigo que o comandante do navio.
Os elogios vieram a mim pelo automático e junto a eles um convite do novo almirante, para ser o seu cozinheiro, o que foi prontamente aceito. Bom, vocês já sabem que um navio velho como o Ary, apelidado de batateiro, não teria todos aqueles ingredientes em sua frigorífica a não ser por um motivo especial. Por obra do acaso, eu ouvira o imediato e o comandante acertando os detalhes do jantar de troca de comando da força, que seria no nosso velho e querido Ary Parreiras. Para todos os efeitos, eu não sabia a finalidade daqueles mantimentos. Bom, o capitão não chegou a conhecer a prisão onde ficara Tiradentes, mas foi transferido para Ladário, Mato Grosso do Sul, com dez dias de prisão para serem cumpridos lá. Deve ser assim na Gã-Bretanha. Sorry.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Link para Modernismo - 3º ano

http://pt.wikipedia.org/wiki/Modernismo
Fränzi perante uma cadeira talhada (1910), de Ernst Ludwig Kirchner, Museu Thyssen-Bornemisza, Madrid

Link para Romantismo 2º ano

http://pt.wikipedia.org/wiki/Romantismo


(The Charge of the Mamelukes) Goya - 1814

sábado, 3 de abril de 2010




Esses óculos ficam bem no seu rosto.
Fora do seu rosto, ficam mal
Os óculos, sim, têm bom gosto
Não escolhem qualquer rosto, afinal.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Aula de redação


_O tema de hoje é sobre as férias. Contem em vinte linhas como foram as férias de vocês.
_Ué professor, o senhor viu a gente o tempo todo, já sabe como foi. Ninguém foi pra Paris nem pra Disney, ficamos aqui no morro, que não tem cinema, nem quadra de esportes. Nossa redação não dá nem três ,linhas.
_Tá bem, vamos ver outro tema, que não seja a violência, pelo amor de Deus.
_Podemos falar da não violência.
_Ótimo, gostei da idéia.
_O Zoião, amigo nosso desde garotinho não matou ninguém nessa semana, não vendeu fumo na boca e nem alugou armas aos pessoal da outra favela. Está tudo em paz aqui na comunidade desde a semana passada, uma tranquilidade, dá gosto viver na favela em que nasci, vou até me orgulhar. As “minha nota” aumentaram todas e os professores não faltaram mais, embora nem recebesse aumento. Acho que vou terminar a oitava série e antes dos trinta termino o segundo grau, se continuar essa calmaria toda, acho que não vai dá pra fazer faculdade. Ponto final.
_Ótima, muito boa redação. Pode melhorar, acrescentando informações importantes que o leitor naturalmente vai questionar. Como exemplo o motivo pelo qual o Zoião não matou ninguém, não vendeu mais fumo e nem alugou armas. E por qual motivo você não vai entrar na faculdade, já que o clima está tão favorável.
_Poxa, professor, o senhor pede “pra gente não falarmos” de violência, e agora quer saber isso. A polícia passou o cerou no Zoião, por isso ele não faz mais nada daquilo. Quanto a faculdade, só não vou fazer porque quem ia pagar ia ser o Zoião, como ele morreu, eu me ....dei mal.

domingo, 28 de março de 2010


Eu a quero
porém Ela não me quer
prefiro ficar só
a ficar com outra mulher



Que castigo
Casada três vezes
Nenhuma comigo

sexta-feira, 26 de março de 2010

Sai uma saideira aí.


O colesterol tá alto, doutor?

Muito alto?
Muito
Muito, muito?
Muito, muito, muito
Passando de trezentos?
Cada muito é muito
Pois é, tem muito muito
Tem jeito?
Não vejo
A pressão tá alta, doutor?
Não?
Isso é bom?
Não
Por quê?
Tá muito, muito, muito, baixa
E cada muito é muito muito
Isso
E agora?
Pede a saideira.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Lições pela internet


O que você vê na tela?
Vários ícones. É esse o nome dessas figurinhas e símbolos, lá no alto?
Isso, isso. Tá vendo, você já sabe alguma coisa.
Mas isso é moleza, até a minha irmã de seis anos sabe.
Tem razão. Bem, vamos lá. Clique com o botão direito do mouse sobre o ícone que se parece com uma folha A4 com uma dobrinha, no canto esquerdo da tela, lá no alto.Vai aparecer uma tela em branco. Digite nela.o que você tem para digitar.
Dez minutos depois, novo contato.
Digitei, e agora?
Isso, agora vá em “janela”, na palavra, ainda lá em cima, e clique com o botão direito do mouse. Vai aparecer uma relação de opções. Clique em “mala direta”.
O amigo espera alguns segundos:
Clicou?
Um minuto, pediu o aluno-amigo.
Não um, mas três minutos depois, o amigo-professor volta a perguntar:
E aí, ainda não clicou?
Ah, cliquei.
Que demora! Apareceu o quê?
Cara, a tela apagou geral, tá toda escura, mas a vizinha do 701 acabou de desabotoar o sutiã.

domingo, 7 de março de 2010

O secretário de inclusão


Não é que o prefeito da pacata Rosarina do Agreste, a 400km da capital, ia receber o assessor do governador do estado? Para a pequena cidade estava bom demais, porque a única coisa que vinha da capital era má notícia em lombo de burro velho, trazida por algum mascate igualmente velho. Isso, em lombo de burro, tamanho era o atraso do arraial.
Todos os preparativos estavam sendo feitos. A esperança era que o assessor saísse de Rosarina com uma boa impressão e trouxesse o governador, o que garantiria a reeleição. Tudo parecia correr dentro das normalidades, quando o mestre de cerimônia interrompeu o cochilo do prefeito.
_Sim, e eu com isso que o homem seja mudo?
_ Mas ele vem ver justamente isso, seu prefeito, o que nós fizemos com a verba para preparar os professores da rede para a tal da inclusão. Pior, não vai trazer intérprete. A verba, aquela verba que o senhor usou para comprar votos, era para os professores aprenderem LIBRAS.
_Vixe Maria!
_É, vixe Maria. E agora?
_Manda chamar o secretário de inclusão social
_E desde quando nós temos isso?
_A partir de agora. Nomeie alguém.
_Quem?
_Timbaúba.
_Abestou, é? O homem é de oposição.
_Então, é por isso mesmo. Ele para de falar mal da gente. Se der errado, o que eu acho que vai acontecer, quem se queima é ele.
_Mas como desgraça esse sujeito vai aprender a falar língua de mudo?
_Isso é mole, já vi na televisão. Esqueceu que a internet já chegou até nós? E o homem tem um computador em casa. Ele se vira, é coisa pra dar errado mesmo.
No dia e hora marcados, o Santana com placa branca estacionou diante da prefeitura.
O assessor desceu e se dirigiu ao gabinete. Ao lado do prefeito, todo altivo e só sorrisos, Timbaúba. Secretário de Inclusão Social, com portaria retroativa e direito a mais dez cargos comissionados, direito esse que ele exerceu imediatamente, nomeando toda a família, pois no interior é assim que funciona a política.
Conversa vai, conversa vem,Timbaúba até então estava perfeito. Conseguiu dar as boas vindas, apresentou o prefeito, a primeira dama e os secretários, mas quando a coisa pegou mesmo, mandou o prefeito chamar a polícia e prender o assessor do governador. Motivo? No gabinete ele disse ao prefeito que o assessor estava chamando não só o prefeito de ladrão, mas todo o seu secretariado, pois o gesto de cruzar a mão direita espalmada em vertical, sobre a esquerda com a palma voltada para baixo, queria dizer que o prefeito havia repartido a verba para a preparação dos professores. E o homem ficou mesmo preso durante alguns dias, até que o governador, vendo que o seu assessor não voltava da viagem, mandasse um intérprete e um advogado ao lugarejo. Adeus visita de governador, adeus reeleição,.
Em off, para o seleto grupo de amigos, Timbaúba, já sem portaria, disse que não perderia por nada desse mundo a oportunidade de acabar com a raça do prefeito, que agora estava passando por um processo de impeachment por conta mesmo do roubo. Mas quem conhece Língua Brasileira de Sinais, como o secretário de educação, que não é consultado nem na hora de contratar os professores, coisa feita pela primeira dama, garante que Timbaúba é um analfabeto em LIBRAS, pois o que o assessor dissera, entre outras coisas, foi que o prefeito estava negando aos surdos-mudos o acesso à educação. Não dissera que estava roubando.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Uma viagem com as letras


Ah, hoje pela manhã deu-me vontade de escrever
Isso mesmo: escrever
Simples
Uma imensidão de mundo a nossa volta
E mal o contemplamos
Mudei de idéia
Vou desenhar
Parece mais fácil
Desenharei, lógico, à minha maneira
Que será uma espécie de escrevinhar
Escrever e desenhar
Um m para o mar
Vários enes para as gaivotas
Um C emborcado para o morro ao fundo
Um W dá uma linda montanha nevada,
Basta virá-lo
Assim como dois R, deitados e um com a perna virada para o outro
Um E dormindo de barriga para baixo
É a casinha do pescador
Que está lá longe, depois das ondas
Num barquinho em forma de U
Pescando com a letra J
Que tem forma de anzol.
Faço ruas curvas e suaves como o S
Outras, fechadas e perigosas
Como o Z
Uma árvore cheia de X
Outra com vários Os maduros
Ao longe, uma cabana de índio, um A perfeito
Iluminada com lâmpadas em forma de G
Dependuradas em postes T
Tudo muito, muito colorido
Um campinho de futebol com traves de rúgbi
Ou um campinho de rúgbi com bolas redondinhas como os Os?
Viro o Y de ponta cabeça, colo o D em sua perna
Pronto, tenho um moleque de rua, barrigudo
Co m o Q na cabeça
Dando língua o tempo inteiro
Rsrsrssr. Não me contive e ri
O L com o O na cabeça, é um moleque sentado
Observado pelo P
Deito dois K e faço uma mesa reforçada
Com madeira reciclada
Aliás, foi a primeira coisa que fiz
Pra desenhar
Do meu jeito, eu falei
Caso falte algumas letras
E faltam
Você mesmo pode desenhá-las
Ou escrevinhá-las.
Aliás, nem precisa faltar letras
Você pode desenhar outras letras.
Como uma pintura,
Elas se precisam
Para formar palavras
Formar frases
Pra conversar
Poxa, pra tanta, mas tanta coisa,
Que com poucas palavras
Não dá para contar
Nem pintando.
Descobriu que letras estão faltando?
Isso o B
E o V
Não podiam faltar as rimas
Nessa pintura
São duas artes
São primas
A plástica
E a literatura.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Meus poemas


Esses poemas
Meus dilemas
Tristes temas
Mas poemas

Esses poemas
Como algemas
Dores extremas
Mais poemas

Esses poemas
Presos à pele , meus emblemas
Como a força da alfazema
Demais poemas

domingo, 8 de novembro de 2009

Como Timbaúba conquistou uma das mulheres mais bonitas do Brasil






Só acreditei porque vi as fotos e os negativos, mesmo assim, pedi a um amigo do Instituto Carlos Éboli para verificar se não eram falsos, o que abalou a nossa amizade. Foi assim:
Segundo Timbaúba, ele estava tranquilo no escritório, num sábado ensolarado de primavera, quando uma espécie de princesa, meio perdida, tentava abrir a porta de vidro. Nesse dia ele dispensara a secretária, aguardava a hora de pegar a filha no cinema. Sabia de cara que a visita não era para ele, a moça havia se enganado de sala, certamente. Mesmo assim, foi até à porta, que possui esses vidros que só permitem a visão a partir da parte interna, e abriu-a. Sem que a moça pudesse esboçar qualquer reação, tacou-lhe um beijão de boca, Ela, lógico, ficou espantada e revoltada, nessa ordem. O diálogo, vou transcrevê-lo:
_ Olhe aqui... seu...seu .... desaforado, sem graça, nojento, esbravejou.
_ Pelo jeito, você se enganou de sala; e eu, de namorada, retrucou, calmamente o jovem e sedutor Timbaúba.
_Você pensa que eu acredito nisso, idiota, cretino, palhaço, sem graça.
_ Tem todo o direito do mundo de duvidar, de estar aborrecida, chateada, zangada, mas não pode me chamar de nojento e nem de cretino, só agora a reconheci. Te peço mil desculpas. Não sou nojento, sou até simpático e um profissional bem sucedido. Tenho entre os meus clientes vários amigos seus, como por exemplo fulana, sicrano e beltrano, que, aliás, jpa foi seu diretor numa das novelas.
_ Isso não muda a minha opinião a seu respeito. Quer saber do mais, fui, passar bem.
_Mas você não disse o que procurava, posso te ajudar e, caso duvide da minha sinceridade, venha ver a foto da minha namorada, verá que realmente ela se parece demais com você.
Nem eu, como já disse, acreditaria, mas a moça entrou no escritório. Acho que para tirar mesmo a dúvida, porque se houvesse alguém parecida com ela, certamente estaria entre as mais bonitas e não seria desconhecida, com certeza. Ou foi só curiosidade. O que isso importa, não estou aqui para analisar o universo feminino, não me atrevo.
Timbaúba era mesmo um pândego. A foto que ele mostrou em nada se parecia com a moça, nem havia como isso ser possível. Esta não teve outro jeito a não ser cair na gargalhada, tudo que o nosso amigo desejava.
_Aqui, por hoje chega. Não estou mais aborrecida contigo, esquece que me viu. Até nunca mais.
_Como é possível esquecê-la? Hoje eu fui o sujeito mais feliz do mundo, embora o beijo tenha sido roubado.
_Ah! Então nem namorada você tem. Você é uma piada, no meu trabalho deve haver uma vaga pra você.
_Pode até ir embora, mas me diga somente uma coisa: o beijo, você gostou do beijo?
O nosso herói só foi saber da resposta uma semana depois, quando a moça reapareceu no escritório. Se ela gostou do beijo? Disso não duvido.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Praia da Ilha - Arraial do Cabo/RJ


Foto de J. Conde

O bêbado e a passageira


As sua viagens eram quase sempre longas e de ônibus. Tinha pavor de avião e não sabia dirigir. Funcionário público federal, fora transferido para o Pará. Duas vezes no ano ia ao Recife visitar parentes. Para aguentar a viagem, segundo o próprio, só mesmo com uma mulher bonita ao lado. Para conseguir tal proeza, uma semana antes da viagem, ele começava a frequentar o terminal. Passava horas proximo ao guichê da Viação Itapemirim, a observar se alguma moça desacompanhada - e bonita - comprava um bilhete para o Recife. Se isso acontecesse, ele compraria a poltrona ao lado dela.
Num sábado à tarde, arrumou as malas e resolveu viajar com qualquer companhia, pois se esperasse mais alguns dias poderia passar as férias na rodoviária. Comprou a poltrona 17 e ficou por ali, próximo ao guichê, ainda com esperança de uma companhia feminina, queria saber quem compraria a dezoito. Minutos depois, uma senhora muito idosa, tossindo bastante, aproximou-se da bilheteria e comprou a 18. A velha era meio surda, pois o vendedor teve que lhe informar a plataforma de partida várias vezes. Era meio cega também, porque pediu ao nosso colega Timbaúba para ler o horário escrito no bilhete. Pelo visto não confiava no vendedor. Como o ônibus só sairia dentro de duas horas, a anciã deixou a rodoviária, talvez para pegar as malas.
Mal a idosa saiu, Timbaúba correu para o guichê e pediu pelo amor de Deus para trocar a passagem. Mas já era tarde, todas haviam sido vendidas. Devolver não podia. "Trocar, só com outro passageiro." Explicou o atendente. Ficou desconsolado. Encarar dois dias de ônibus ao lado de uma velha caquética seria demais para ele. Sem solução, Tímbaúba entrou no primeiro bar e começou a encher a cara até ficar de porre de não se aguentar em pé. Para embarcar precisou da ajuda de outros passageiros.
Na hora da partida, da sua janela, com o pouco que ainda lhe restava de sobriedade, Timbaúba viu a velhinha acenando para o ônibus, já em movimento. Jogando-se sobre ele, uma linda morena respondia aos acenos. Segundo os passageiros, nem tacacá misturado ao açaí teria curado mais rápido o porre do Timba,

quarta-feira, 7 de outubro de 2009


De arrepiar
Suava frio o sujeito que acabava de entrar no meu escritório.
_ Doutor, como faço para despedir o meu funcionário? – perguntou, sem ao menos sentar
_ Imagino que ele tenha cometido alguma falta gravíssima, para o senhor entrar assim, espavorido - comentei.
_ Sim, ao meu ver, a falta é muito grave, embora eu nunca tenha ouvido que algum outro empregado, em qualquer outra empresa, em qualquer lugar do mundo, tenha cometido semelhante falta.
_ E qual foi essa falta grave?
_ O meu empregado é um fantasma, um morto vivo, ou vivo morto.
_ E como o senhor chegou a essa conclusão?
_ Eu o vi saindo do cemitério por volta das três da madrugada..
_Vai ver não tem onde dormir e dorme lá. Dizem que é mais seguro que aqui fora, você sabe disso.
_ Doutor, não brinque com coisa séria. Tenho quase sessenta anos e um nome a zelar. Acrecite, coloquei um espelho na loja só para ver a imagem dele. Doutor, ele não reflete a imagem no espelho.
_Explicação fácil: quem tem imagem a zelar é o senhor, não ele. Então, desnecessário despedi-lo. nem precisa pagar, morto não reclama direitos trabalhistas, nem outros quais quer. Quanto à parte fantasmagórica da coisa, eu não posso responder nada, pois dissso nada entendo. Quem sabe, um espírita pode ajudá-lo.
O sujeito se retirou aborrecido com o meu humor fora de hora. Sequer cobrei pela consulta, pois achei a história muito fantasiosa. Mas rapidamente mudaria de idéia quando uns 15 minutos depois entra outro sujeito, o empregado.
_Doutor, o meu patrão disse que conversou com um advogado e acredito que seja o senhor. Ele foi aconselhado, pelo senhor, lógico, a não pagar os meus direitos trabalhistas. Acontece, que eu trabalho, doutor. Fantasma ou não, trabalho. Eu sou um fantasma funcionário, não um funcionário fantasma; o meu emprego não é público, não trabalho para o governo.
Pensei que todos os loucos da cidade tivessem tirado o dia para me zoar.
_Meu jovem, o que deu em vocês, por que me escolheram para fazer pegadinhas? Há outros advogados nesta cidade.
_Mas nenhum deles com as suas características, doutor.
_E que características são essas?
_Anúncio no obituário.

sábado, 3 de outubro de 2009

Basílica de Nossa Senhora de Nazaré - Belém do Pará.

A Promessa


Seu Raimundo Nonato andou mais de mil quilômetros. Saiu de Picos, no Piauí, e foi a Belém do Pará pagar promessa feita à Nossa Senhora de Nazaré. Chegou exausto no Ver-o-Peso e pediu uma cuia de tacacá para matar a fome. Perambulou pela cidade o restinho de dia e ao entardecer procurou um abrigo público, pois os únicos trocados só davam mal e porca para uma refeição diária, coisa que nem dá para chamar de alimentação. Mas nessa época do ano até banco de praça fica com excesso de gente, sequer dá para guardar vaga, pois os lugares ficam marcados, à espera dos donos, que só saem para fazer as necessidades e voltam. Os abrigos estavam lotados.
Raimundo Nonato, além do próprio corpo cansado, trazia uma pesada réplica em madeira, de uma perna de tamanho de perna de adolescente. Segundo ele, a filha se recuperara de um câncer graças às preces que fizera à Nossa Senhora de Nazaré. A filha fora desenganada pelos maiores especialistas, chegou a ir para o Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Uma vez em Belém, um dia antes do Círio de Nazaré, Raimundo queria dizer à família que chegara bem, graças Deus, embora com os pés em feridas e terríveis dores abdominais, devido à falta de alimentação seguida da péssima, quando havia. Raimundo foi a um dos orelhões em frente à Basílica e ligou para o seu povo. "Não diga, mulher, isso não é justo, logo agora que cheguei. Qui vamo fazê sem nossa Seiça? Como curpa minha, não deu pra vim ano passado, sabe".
Raimundo Nonato saiu cabisbaixo, pegou a réplica da perna da filha e iniciou caminho de volta.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009


Foi engano

_Tio Donato!?
_Não, aqui não tem nenhum Donato. Você dever ter discado errado.
_Desculpe, aqui é a sobrinha dele, estou tentando falar com tio Donato pra avisar a ele que já estou na rodoviária. Disquei errado. Tchau, desculpe novamente.
_Sem problemas. Tá precisando de ajuda? Posso pegá-la na rodoviária e te ajudar a encontrar o seu tio.
_Não, não conheço o senhor, nem o senhor me conhece.
_Então, mais um motivo: o seu primeiro amigo na cidade. Você já conhece Cabo Frio?
_Só de ouvir o tio falar.
_Posso ir até aí? Estou perto, caso não queira a carona, pode desistir.
_Não, acho melhor não. Está muito tarde, o tio já vai chegar. Agradeço, mas tio Donato não vai gostar se souber que eu fiz isso. Recebi várias recomendações dos meus pais.
_Qual a sua idade?
_Isso não importa, ainda moro com eles e devo-lhes satisfação, é o mínimo.
_Calma, não vamos discutir, nem nos conhecemos, como você mesma afirmou. Olha, estou indo aí, se não gostar da minha aparência, se não se sentir confiante, não tem problema. Te faço companhia até o seu tio chegar.
_Você é insistente, me venceu pelo cansaço. Pode vir, mas vou aguardar o meio tio Donato.
Meia hora depois, aparece o tio Donato.
_Tio, esse é um amigo, me fez companhia até agora.
_Muito prazer, rapaz. Vou te dar o nosso endereço, apareça lá em casa amanhã, daí você pode conversar mais com Silvinha.
_Será um prazer
_Bom, vou chamar um táxi, o mecânico ficou de devolver o meu carro mas avisou que não tem peça no momento. Carro importado é uma droga, só é bom enquanto não dá feito.
_Nada de chamar táxi, seu Donato, eu levo vocês.
_ Nada disso, meu jovem, moramos longe, não quero dar trabalho.
_Eu insisto.
_ Bom já que insiste
E foram em direção à Ogiva. O seu Donato era um idoso simpático, logo caiu nas graças do novo amigo da neta.
_ O que o senhor faz na vida, seu Donato?
_ Coleciono carros importados.
_ Usados?
_ Não. Novos, de preferência saídos da agência.E está faltando justamente uma Pajero Prado na minha coleção. Essa é uma Pajero Prado, não é?
_...